monitoramento policial
O Mundo às Avessas

A Sociedade do Controle chegou em Agudo

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Quando crianças, na década de oitenta, sempre brincavam conosco, quando dizíamos que éramos de Agudo:

    • E a televisão já chegou em Agudo?

Essa brincadeira derivava do fato de, naquela época, Agudo ser uma pequenina cidade de cerca de 13 mil habitantes, com mais da metade deles morando na área rural da cidade.

Para os moradores, claro que isso era um exagero. As coisas até poderiam chegar com um certo atraso, mas não tanto!

monitoramento policialPois então, na última quinta-feira à noite cheguei à minha cidade natal mais uma vez, depois de um pouco mais de seis meses sem passar por aqui e, logo na entrada, uma imagem me chama a atenção: no meio da avenida principal da cidade, um poste com câmeras de “monitoramento policial” apontando para todos os lados.

A primeira palavra que vêm à cabeça da maioria das pessoas é “progresso”! Ou talvez “segurança”! Agora, pensam, os bandidos não terão chance, ficará mais fácil de monitorá-los e rastreá-los! Tanto os ladrões quanto aqueles que promovem irregularidades no trânsito.

E quanto ao cidadão comum? Que tal ser monitorado 24 horas por dia? Ter uma câmera com sabe-se lá quem acompanhando seus passos pela tua cidade? Que tal você, jovem casal de namorados, sentado no banco da praça, trocando carícias e beijos e tendo suas imagens gravadas por algum policial ou técnico de segurança? Quando se fala de mobilizações públicas então, nem se fala: pode-se usar as gravações destas manifestações para encontrar supostos líderes ou então pinçar qualquer pessoa que tenha tido algum comportamento que “ofenda” o que o “Estado de Direito” representa – mesmo que este “estado de direito” não represente mais a própria população e sim os interesses de poucas corporações e grupos econômicos e políticos.

Para mim, esse monitoramento lembra outra palavra, e esta é “controle”.

Michel Foulcault em seu memorável livro “Vigiar e Punir” já prenunciava o surgimento desta Sociedade do Controle. Dizia:

[…] O poder disciplinar é […] um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior “adestrar”: ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo. […] “Adestra” as multidões confusas […] (FOUCAULT, 2005, p.143).

Na sociedade disciplinar os indivíduos sentem-se controlados pela força do olhar, uma vez que no poder panóptico, o observador está permanentemente presente a observar e a vigiar os indivíduos. Sendo assim, Foucault (2005, p.169) considera que:

O Panóptico funciona como uma espécie de laboratório de poder. Graças a seus mecanismos de observação, ganha em eficácia e em capacidade de penetração no comportamento dos homens; um aumento de saber vem se implantar em todas as frentes do poder, descobrindo objetos que devem ser conhecidos em todas as superfícies onde este se exerça.

O panóptico permitiu aperfeiçoar o exercício do poder no final do séc. XVIII. O poder disciplinar panóptico, por meio da visibilidade, da regulamentação minuciosa do tempo e na localização dos corpos no espaço, possibilitou o controle sobre os indivíduos vigiados, de forma a torná-los dóceis e úteis à sociedade, instaurando, dessa forma, uma nova tecnologia do poder.

A câmera nos traz essa “quase certeza de que seremos punidos”, pois nossa imagem está lá, registrada com nossa face e hábitos expostos.

O controle que ora se apresenta é o mecanismo de um Estado neofascista que, usando a desculpa da segurança dos cidadãos está, na verdade, cerceando toda e qualquer forma de atividade que possa por em risco seu próprio fim, assumindo uma posição totalitarista que tenderá a reprimir toda e qualquer ação de minorias organizadas, por mais justa que possa parecer. Tal ação será taxada de “subversão à ordem pública”. As câmeras de vigilância servem a uma sociedade normalizada e hipernormatizada, onde quem dita as regras não é a população, de baixo para cima, mas o topo da pirâmide já constituída que, nos dias de hoje, nada mais é do que o conjunto de alguns banqueiros, megaempresários e coronéis de anteontem que ainda se reproduzem nas estâncias e fazendas do Brasil.

tirinha de André Dahmer
tirinha de André Dahmer

Para Billouet, (2003), o panoptismo possibilita uma sujeição concreta mediante uma relação fictícia. O panóptico foi desenvolvido a partir do “princípio de que o poder devia ser visível e inverificável” (FOUCAULT 2005, p.167). Desse modo, o detento sempre teria diante dos olhos a figura da torre central de onde será espionado, ao mesmo tempo em que não saberia se está sendo observado, deveria ter a certeza de que poderá sê-lo. Com isso, não seria necessário recorrer à força para obter dos indivíduos o bom comportamento, por exemplo, “o louco à calma, o operário ao trabalho, o estudante à aplicação, o doente à observação das recomendações” (BILLOUET, 2003, p. 133).

Ao controle do corpo através da imagem, somam-se, nos dias modernos uma série de outros mecanismos que substituiram o aprisionamento em celas e jaulas: o aprisionamento através do cartão de crédito e das dívidas de compras; através dos números de identificação em documentos oficiais, modernamente avançando para controles por chips RFIDs, com possibilidade de localização geográfica; através de aparelhos celulares sempre ligados, também facilmente localizáveis e rastreáveis; através de nossos passos nas redes sociais e “pegadas” online. Controle na prisão, na escola, no hospital, no trabalho, nas ruas, na sociedade em geral…

Essa sujeição é obtida através de um saber e de um controle que constituem o que Foucault chamou de uma tecnologia política do corpo, que para ele, trata-se de uma microfísica do poder. Essa nova anatomia política deve ser entendida, como: […] uma multiplicidade de processos muitas vezes mínimos, de origens diferentes, de localizações esparsas, que […] Circularam às vezes muito rápido (entre o exército e as escolas técnicas ou os colégios e liceus), às vezes lentamente e de maneira mais discreta (militarização insidiosa das grandes oficinas) […](FOUCAULT, 2005, p. 119). Deste modo, o tempo é quantificado, o espaço medido, o corpo do operário, do aluno, do soldado, é disciplinado, medido em seus movimentos harmonizados dentro do movimento da sociedade. A punição terá agora a função de corrigir os indivíduos para estabelecer relações de poder, como forma de controle para atender aos interesses da burguesia que necessita de corpos úteis, produtivos, disciplinados (FOUCAULT, 2005).

Nesse sentido, o corpo será submetido a uma forma de poder que irá desarticulá-lo e corrigi-lo através de uma nova mecânica do poder. As práticas disciplinares permitem o controle das operações dos corpos e a sujeição constante de suas forças, impondo-lhes uma relação de docilidade e utilidade.

Assim, caros amigos Foulcault e Deleuze (não te citei aqui, mas sabes que te quero bem, né não?), lamento informar: a Sociedade Disciplinar, a Sociedade do Controle, chegou em Agudo, em plena Avenida Concórdia. Mas a luta está apenas começando…

Para uma leitura um pouco mais detalhada, mas ainda resumida, sobre a obra Vigiar e Punir, de Foulcault – http://www.cchla.ufrn.br/saberes/Numero4/Artigos%20em%20Filosofia-Educacao/Noelma%20C%20de%20Sousa%20e%20Antonio%20Basilio%20N.%20T.%20de%20Meneses,%20uma%20leitura%20em%20Vigiar%20e%20Punir,%20p.%2018-35.pdf (de onde foram tiradas as citações acima)

Para uma leitura detalhada, recomenda-se a obra do próprio autor.

Algumas páginas para leitura rápida, da wikipedia:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Pan%C3%B3ptico e http://en.wikipedia.org/wiki/Panopticon

http://pt.wikipedia.org/wiki/Vigiar_e_Punir

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Um comentário

  • Rodrigo Monzani

    Eu diria que a vigilância substituiu o que antes tínhamos como disciplina para conformação de nossa subjetividade, ou melhor, para nos manifestar em sociedade. Afinal, sociedade é conviver em certos parâmetros disciplinares. Sabemos que a mídia de massa banalizou a informação (principalmente a que se refere à privacidade) e o desenvolvimento desta mentalidade nos faz hoje precisar ser visto, compartilhado e diria até mesmo invadido, adicionado a algo/alguém para fazer parte da sociedade, coexistir. O interessante é que o confinamento cresce, em contrapartida, pois intimidade vista por muitos cria uma aversão natural entre as pessoas, como se o próprio sistema gregário tentasse se auto resolver, auto criticar, mas o fizesse de maneira paliativa e superficial, o que apenas agrava o excesso de controle social, que tenta quebrar as barreiras do confinamento privado. A tempestade se forma…

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