A Concepção Libertária da Transformação Social Revolucionária – Rudolf de Jong
A seguir, apontamentos da leitura do livro “A Concepção Libertária da Transformação Social Revolucionária”, de Rudolf de Jong.
Relações Centro-Periferia
As relações centro-periferia baseiam-se em uma forma libertária de se enxergar as relações presentes em nossa sociedade. Elas estão fundamentadas nas relações de domínio estabelecidas pelos centros em relação às periferias, entendendo que a dominação existe quando uma pessoa ou um grupo de pessoas utiliza-se “da força social de outrem (do dominado), e, consequentemente, de seu tempo, para realizar seus objetivos (do dominador) – que não são os objetivos do agente subjugado”.
A luta permanente dos anarquistas, que se constituiu classicamente pelo fim das relações de domínio, é colocada por Rudolf de Jong como a luta permanente pelo fim das relações centro-periferia.
É este modelo de luta, da periferia para o centro, que vem distinguindo anarquistas e a grande maioria dos marxistas, na busca pela transformação social. Comparando as estratégias marxista e anarquista, podemos dizer que
os revolucionários marxistas, os reformistas sociais e, em geral, a maioria dos militantes de esquerda querem sempre usar o centro como um instrumento – e na prática como o instrumento – para a emancipação da humanidade. Seu modelo é sempre um centro: Estado, partido ou exército. Para eles a revolução significa, em primeiro lugar, a tomada do centro e de sua estrutura de poder, ou a criação de um novo centro, para utilizá-lo como um instrumento para a construção de uma nova sociedade. Os anarquistas não desejam tomar o centro; desejam sua destruição imediata. É sua opinião que, depois da revolução, dificilmente haverá lugar para um centro na nova sociedade. A luta contra o centro é seu modelo revolucionário e, em sua estratégia, os anarquistas tentam evitar a criação de um novo centro.
O Sujeito Revolucionário
Marx acreditava que, antes da revolução rumo ao socialismo, que consuziria à ditadura do proletariado, a sociedade deveria passar por uma revolução burguesa, que estabelecesse o capitalismo de maneira plena, desenvolvendo as forças produtivas e criando este proletariado industrial – o sujeito revolucionário que conduziria a sociedade à sua emancipação. Desta maneira, as forças progressistas da sociedade seriam a burguesia (que transformaria as economias pré-capitalistas em capitalismo) e o proletariado ( que transformaria o capitalismo em socialismo).
O lumpemproletariado, os camponeses, trabalhadores manuais e as culturas pré-capitalistas não teriam , para ele, um papel revolucionário; muitas vezes, ao contrário, seriam forças conservadoras.
A sublevação do proletariado das cidades não é suficiente; com ela teríamos somente uma revolução política, que teria necessariamente contra ela a reação natural e legítima do povo dos campos, e esta reação, ou unicamente a indiferença dos camponeses, esmagaria a revolução das cidades, como aconteceu ultimamente na França. Só a revoução universal é suficientemente forte para inverter e quebrar o poder organizado do Estado, sustentado pelos recursos das classes ricas. Mas a revolução universal é a revolução social, é a revolução simultânea dos povos dos campos e das cidades. É isso que é preciso organizar, – porque sem uma organização preparatória, os elementos mais fortes são impotentes e nulos. (grifos nossos)
Que fazer? Não podendo impor a revolução nos campos, é preciso produzi-la, provocando o movimento revolucionário dos próprios camponeses, levando-os a destruir, com as suas mãos, a ordem pública, todas as instituições políticas e civis e a construir, a organizar nos campos a anarquia.
A Transformação Social Revolucionária
Para a grande maioria dos marxistas, a revolução passa, necessariamente, pela tomada do Estado e pelo estabelecimento de um período de centralização e ditadura, fato que nunca foi aceito pelos anarquistas. Bakunin, em um prognóstico mais do que certeiro, previa, ainda no século XIX, o que seriam as experiências “socialistas”do século XX. Previa ele que este modelo de transformação social – que Rudolf de Jong chamaria de transformação do centro para a periferia – não conduz à emancipação do povo, mas sim à continuidade da sua escravidão. Isto porque não há como se defender os interesses da periferia – neste caso, o povo explorado – por meio de uma instituição do centro – o Estado.
Bakunin conseguiria antever que, assim que o Estado fosse tomado, ainda que sob justificativa da defesa dos interesses do povo, seria criada uma nova classe de exploradores que continuaria a dominação, ao invés de acabar com ela. Esta “nova classe”, ainda segundo Bakunin, nunca mais abandonaria as posições de privilégio adquiridas. O socialismo como período intermediário, ou a “ditadura do proletariado”, nunca chegaria à sociedade sem Estado. A nova classe no comando do Estado passaria a defender não mais os interesses do povo, mas sim os seus próprios interesses.
(…) nenhum Estado, por mais democráticas que sejam as suas formas, mesmo a república política mais vermelha, popular apenas no sentido desta mentira conhecida sob o nome de representação do povo, está em condições de dar a este o que ele precisa, isto é, a livre organização de seus próprios interesses, de baixo para cima, sem nenhuma ingerência, tutela ou coerção de cima, porque todo Estado, mesmo o mais republicano e mais democrático, mesmo pseudopopular, como o Estado imaginado pelo Sr. Marx, não é outra coisa, em sua essência, senão o governo das massas de cima para baixo, com uma minoria intelectual, e por isto mesmo privilegiada, dizendo compreender melhor os verdadeiros interesses do povo,mais do que o próprio povo.
A coerência entre meios e fins, fortemente defendida no anarquismo, aponta ser uma imensa contradição querer defender o conjunto de classes exploradas, que é um elemento periférico da sociedade, por meio de uma instituição que é um pilar fundamental do sistema capitalista e da sociedade de classes, ou seja, uma instituição central.
Diferentemente, a luta anarquista pela transformação social revolucionária não passa pela tomada do Estado, mas sim pela mobilização de ambos setores da população para, de baixo para cima, promover a revolução social e abrir caminho rumo ao socialismo libertário. A revolução social, na concepção anarquista, promove uma imediata substituição do Estado pelas estruturas autogeridas e federadas do socialismo libertário, momento em que o poder político é descentralizado e autogerido pelo povo. A nosso ver, o caminho para operar esta transformação social se dá por meio da criação e do desenvolvimento de movimentos sociais, juntamente com a organização específica anarquista, desenvolvendo suas atividades de trabalho/inserção social, produção/reprodução de teoria, propaganda anarquista, formação política, concepção e aplicação de estratégia, relações políticas e sociais, gestão de recursos.
É por meio da ética, e somente por meio dela, que a organização anarquista não atua como um partido autoritário (mesmo que revolucionário). A ética do anarquismo, diferente de todas as outras ideologias, sustenta uma posição única de relação entre os níveis político e social. Por este motivo, a ética é absolutamente central a qualquer organização anarquista que queira realizar trabalho com os movimentos sociais. Diferentemente da organização de vanguarda, o nível político organizado como minoria ativa, que atua com ética, não possui relação de hierarquia e nem de domínio em relação ao nível social. Para nós, como enfatizamos, os níveis político e social são complementares e possuem uma relação dialética. Neste caso, o nível político complementa o nível social, assim como o nível social complementa o político.
Ao contrário do que propõem os autoritários, a ética da horizontalidade que funciona dentro da organização específica anarquista se reproduz em sua relação com os movimentos sociais. Quando em contato com o nível social, a organização específica anarquista atua com ética e não busca posições de privilégio, não impõe sua vontade, não domina, não engana, não aliena, não se julga superior, não luta pelos movimentos sociais ou à frente deles. Luta com os movimentos sociais, não avançando nem um passo sequer além do que eles pretendem dar.
Entendemos que a partir desta perspectiva ética de nível político, não existe fogo que não seja aceso coletivamente; não há como ir à frente, iluminando o caminho do povo, enquanto o próprio povo vem atrás na escuridão. O objetivo da minoria ativa é, com ética, estimular, estar junto ombro a ombro, prestar solidariedade quando ela é necessária e solicitada. Por isso, diferentemente da vanguarda, a minoria ativa é legítima.
Esta reflexão sobre o terreno mais adequado para plantar as nossas sementes deve ser feita. A experiência vem mostrando que é nos setores mais periféricos que as pessoas possuem mais afinidade com o anarquismo – os setores em que as pessoas têm muito pouco, ou nada a perder.
Assumir posições de direção nos movimentos sociais pode e deve ser objetivo de grande preocupação entre os anarquistas, pois, quando isso acontece, pode-se, mesmo que sem querer, estar insistindo em uma transformação do centro para a periferia, com conseqüências funestas para a luta.
Pensando As Relações Centro-Periferia Hoje
Os sem-terra, sem-teto, desempregados, catadores de material reciclável, indígenas, camponeses, pequenos produtores etc, foram (e algumas vezes ainda são) classificados como “lumpemproletariado”, tendo negado o seu potencial revolucionário.
1- Trabalhar as transformações sociais por fora do Estado, que não deve ser utilizado como um meio, nem como propõem os reformistas, nem como propõem os reformistas, nem como propõem os revolucionários.
2- Reforçar a idéia anarquista de defendera ideologia dentro dos movimentos sociais e não o contrário, quando os movimentos funcionam como correia de transmissão de um partido ou uma ideologia determinada.
3- Sustentar uma interação complementar e dialética entre a organização política e os movimentos sociais (níveis político e social), em que há desenvolvimento mútuo e não há hierarquia e domínio.
4- Reconhecer a inevitabilidade do enfrentamento para a transformação revolucionária, refletindo, de maneira estratégica e tática, como e quando a violência deve ser utilizada, ainda que seja sempre comoresposta, e, portanto, uma forma de autodefesa.
5- Conceber formas de atuação que dêem espaço para o envolvimento das bases, lutando com o povo e não por ele ou à frente dele.
6- Eleger os melhores espaços para atuar, buscando movimentos que agrupem militantes que sofrem de maneira mais dura os efeitos do capitalismo e que podem ser grandes aliados na luta de classes.
7- Buscar as bases dos movimentos sociais, construindo um projeto de organização popular que vá de baixo para cima, ou da periferia para o centro, visando à transformação social revoluvionária.
I
Introdução
As organizações de trabalhadores – por muito tempo consideradas periféricas – estão agora sendo aceitas como um centro (entre muitos) de poder e política. Mas, por muitos anos, outros aspéctos tradicionais do movimento operário, tais como a ação direta, a auto-organização, a solidariedade, o apoio mútuo e toda a história e a ideologia anarquista permaneceram curiosidades históricas pré-políticas, periféricas e fracassos históricos. Os movimentos pré-políticos em áreas periféricas são aqueles movimentos que:
a) tentaram preservar suas identidades;
b) recusaram-se a criar novas formas de relações centro-periferia; e
c) têm sido medidos sem êxito por padrões políticos de poder.
O anarquismo é uma ideologia que se recusa a criar novos sistemas centrais com novas áreas periféricas. Os revolucionários marxistas, os reformistas sociais e, em geral, a maioria dos militantes de esquerda querem sempre usar o centro como um instrumento – e na prática como o instrumento – para a emancipação da humanidade. Seu modelo é sempre um centro: Estado, partido ou exército. Para eles a revolução significa, em primeiro lugar, a tomada do centro de sua estrutura de poder, ou a criação de um novo centro, para utilizá-lo como um instrumento para a construção de uma nova sociedade. Os anarquistas não desejam tomar o centro; desejam sua destrução imediata. É sua opinião que, depois da revolução, dificilmente haverá lugar para um centro na nova sociedade. A luta contra o centro é seu modelo revolucionário e, em sua estratégia, os anarquistas tentam evitar a criação de um novo centro.
II
O Movimento Anarquista
Até a Primeira Guerra Mundial o anarquismo, em suas formas, era uma das principais forças no movimento operário internacional. Suas maiores forças estavam nos países “latinos” da Europa e entre os trabalhadores imigrantes europeus na América do Norte e do Sul. Minorias ou idéais anarquistas desempenhavam um papel mais ou menos importante em quase todos os países onde haviam surgido movimentos operários ou socialistas.
Em minha opinião, anarquismo é a luta por uma sociedade socialista aberta e universal, autocontrolável e autodirigida, uma sociedade em que a autoridade coercitiva tenha sido substituída por um processo de tomada de decisões que não dá lugar à alienação entre o indivíduo e as decisões tomadas. Por socialismo, entendo a realização dos ideais da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.
Termos como “autocontrolável”, “autodirigida” etc, indicam a oposição explícida do anarquismo ao Estado, mesmo em suas formas parlamentares e representativas, e sua recusa em participar de uma política “normal”, ou seja, feita a partir do centro.
Semelhança muito grande entre o anarquismo e as formas pré-políticas mais tradicionais de democracia direta, tais como o Mir russo, o pueblo espanhol, as guildas das cidades medievais, as comunidades indígenas nos Andes etc, foi que os anarquistas opunham-se ao Estado nacional, devido a sua estrutura autoritária inerente, que resultava na alienação e na falta de controle por parte dos pobres.
O que é característico na concepção anarquista é a ênfase colocada na solidariedade, na internacionalização, na responsabilidade, na educação, ou, em outras palavras, na criação do trabalhador consciente, pronto para enfrentar e resolver os problemas que o confrontam.
O renascimento das idéias libertárias nos anos 60, em movimentos e formas de organização na Europa e nos E.U.A., não teve quase nada a ver com o velho movimento, seu remanescente, ou com os grupos socioeconômicos que anteriormente o haviam apoiado. Teve muito a ver com uma nova geração de indivíduos conscientes, que haviam notado que, na sociedade moderna, a vida é dominada por grandes instituições que estão além do controle das pessoas. Estes indivíduos buscavam novas formas de estruturas organizacionais autocontroláveis e autodirigidas para serem usadas na luta pela transformação social e por um modo de vida melhor.
III
As Forças Sociais Por Trás Da Transformação Social
1. A concepção do centro a respeito das forças por trás da transformação social
A Livre Empresa e o Marxismo
Com o desenvolvimento do centro, as éreas periféricas – como as classes trabalhadoras dentro do centro – adotariam e, a longo prazo, se beneficiariam com as transformações sociais, partilhando dos lucros do centro. Esta era a filosofia por trás dos argumentos sobre os termos de comércio do mundo liberal. Ainda é a filosofia oficial do mundo ocidental, com su fé no crescimento econômico.
Era apenas nos centros do capitalismo que o proletariado representava uma proporção grande da população e, por isso, Marx esperava que a revolução se realizasse nos países mais altamente industrializados, como a Inglaterra e a Alemanha. A idéia de que poderiam ocorrer revoluções em áreas periféricas ao capitalismo e a concepção de “forças reativas, criando algo noco” são completamente estranhas ao marxismo.
Confrontados com a realidade dos movimentos periféricos, os marxistas sempre foram obrigados a ajustar suas teorias. De acordo com o primeiro conceito, as revoluções da burguesia nacional contra o imperialismo, por virem primeirona “agenda histórica”, tinham que ser apoiadas por todas as forças progressistas. O segundo, baseava-se no pressuposto que a burguesia nacional era muito fraca para conduzir sua “própria” revolução e que o proletariado e o “partido de vanguarda” tinham de desempenhar o papel principal desde o início. Basicamente, havia pouca diferença entre os dois conceitos: segundo ambos, as forças sociais por trás da transformação social são levadas a cabo pelo centro, não pelas áreas periféricas.
2. A concepção periférica sobre as forças por trás da transformação social
Anarquismo
A concepção anarquista das forças sociais por trás da transformação social é muito mais geral, bem menos restrita que a fórmula marxista. Diferentemente do marxismo, o anarquismo não concede um papel específico ao proletariado industrial.
Nos escritos anarquistas, encontramos todos os tipos de trabalhadores e de pobres, todos os oprimidos, todos aqueles que, de algum modo, pertencem a grupos ou áreas periféricas e, portanto, constituem fatores potenciais na luta revolucionária pela transformação social.
O “ Aos Jovens” de Kropotkin.
Traduzidas em termos atuais, a predição de Bakunin poderia ser formulada do seguinte modo: nos centros do sistema capitalista, os trabalhadores procuram a transformação social dentro do sistema burguês e procuram beneficiar-se com os resultados do “crescimento” econômico e do consumo em expansão. Nas áreas (ainda) periféricas da sociedade capitalista, todas as classes pobres, que pagam por essa expansão capitalista e sofrem com ela sem se beneficiarem do processo de crescimento, procurarão formas revolucionárias de transformação social.
IV
A Estratégia Da Transformação Social Revolucionária
1. A organização da luta
Quando aplicamos a terminologia centro-periferia a este antagonismo, os marxistas parecem aderir à política orientada para o centro, isso é, tentam criar um centro político para assumir o poder, e usam os centros existentes de organização e poder político. A perspectiva dos anarquistas é orientada para a periferia. Eles procuram criar uma confederação de unidades básicas autodirigidas que estão unidas por seus conceitos do objetivo último, a luta contra a ordem existente, a futura sociedade, a estratégia e a solidariedade. Todas as escolas de pensamento anarquista partilham esta concepção. Outra característica importante é que a organização da luta já contém os germes da futura sociedade libertária.
Enquanto a concepção marxista advogava o uso de instrumentos e formas de organizações políticas criadas pela burguesia (partido, Estado), os anarquistas argumentavam que o único resultado disso seria que o socialismo seria dominado e vitimado, e não emancipado, por tais instrumentos. Profetizaram que surgiria uma nova classe dominante que reinaria através da coerção e que, por fim, quase não haveria diferença alguma entre a opressão marxista e a burguesia.
Para os anarquistas, não foi uma surpresa que, uma vez no poder, os marxistas e outros partidos de esquerda valeram-se da mesma filosofia básica relativa à transformação social e ao progresso que é encontrada entre os defensores do liberalismo e da livre empresa. Uma vez no poder, estes revolucionários pregam que a transformação social e o progresso somente podem ser realizados pela ordem e pelos novos centros de poder: o partido, o Estado e seus canais oficiais. E nunca por outros meios que não estes canais oficiais!
Novos sistemas centrais como os da Rússia e da Europa Oriental reagirão do mesmo modo e pelos mesmos mecanismos que os sistemas mais antigos reagiram quando confrontados com uma transformação social revolucionária iniciada por grupos periféricos em suas sociedades: a manutenção da lei e da ordem, a opressão e a difamação. Comuna de Paris , e da Revolução Húngara de 1956.
Além do desacordo entre anarquistas e socialistas “políticos” sobre a estratégia a ser seguida, há também a diferença de opinião sobre a natureza do campo de batalha. Para os anarquistas, o campo de batalha é a sociedade como tal; eles inclusive têm recusado a limitar-se exclusivamente ao setor socioeconômico.
Os anarquistas vêm militando em todos os tipos de movimentos que tentaram libertar a sociedade existente das estruturas autoritárias, como os movimentos de liberação da mulher, antimilitaristas, anticolonialistas, pelo livre pensamento, pela livre educação e as “escolas modernas”, pela reforma penitenciária, de direitos humanos etc. Em diversos países, as principais atividades anarquistas desenvolvidas nestes campos tinham forma de “guerrilha” contra toda as facetas da sociedade. Nos movimentos marxistas, a política sempre esteve em primeiro lugar.
2. Mentalidades e valores
A fé marxista num “processo histórico” é tão absoluta quanto a fé anarquista nos valores humanos universais.
Para os anarquistas, o socialismo e o progresso significam a libertação da sociedade existente, a liberdade para o homem atual. Para os marxistas, a ênfase está na sociedade futura. Acho que uma das razões de o anarquismo e os movimentos pré-políticos muitas vezes terem sido tachados de utópicos pode ser atribuída a esta crença numa nova sociedade do outro lado da montanha. Na verdade, as “utopias” dos anarquistas andaluzes, dos zapatistas etc. foram muito realistas. O que acontece é que os observadores intelectuais tendem a esquecer que o céu dos pobres é um céu muito modesto.
V
As Realidades Da Transformação Revoluvionária
1.Revoluções periféricas …
A livre empresa de fato mudou o mundo, mas para a grande maioria da população mundial não parece que tenha havido uma transformação para melhor, no sentido de haver maior grau de bem-estar, maior liberdade ou dignidade humana.
Ao contrário do que Marx predisse, nunca ocorreram revoluçõessocialistas nos centros do capitalismo industrial. Em vez disso, em cada país capitalista que passou do estágio periférico para o de centro, os trabalhadores industriais integraram-se nas sociedades capitalistas e seus partidos e sindicatos que haviam sido revolucionários passaram a ser reformistas.
A criação de muitas formas de organização social autodirigidas, autocontroladas e orientadas para a periferia, como os sovietes na Rússia, as coletivações na Espanha, a democracia direta nas vilas de Morelos, a “autogestão” na Argélia, a autonomia nas vilas vietnamitas etc.
2. …conquistadas por marxistas e centralistas
Uma vez obtida a vitória sobre os velhos inimigos – colonialistas estrangeiros, opressores nacionais, ou ambos – os novos sistemas centrais restauram as relações centro-periferia. Isto está em total acordo com as concepções marxistas, nacionalistas e da esquerda, de que a transformação social tem que ser realizada a partir do centro. Em seguida, o centro destrói as novas estruturas periféricas e órgãos autocontroláveis que surgiram como resultado da luta contra a antiga ordem.
VI
Conclusões
Contudo, os ideais pré-políticos, tal como definidos pela makhnovitchina – “tomar nosso destino em nossas próprias mãos e conduzir nossas vidas de acordo com a nossa vontade e a própria concepção de verdade” – até agora nunca foram realizados.
Os membros da Nova Esquerda pertencem principalmente à categoria mencionada na letra E de minha classificação. O movimento nasceu dentro do centro. Criou uma “área periférica” – a contracultura – por meio de uma escolha deliberada de indivíduos que preferiram “cair fora” da sociedade afluente. Eles não defenderam sua identidade, seus direitos de conduzir suas próprias vidas, eles criaram uma nova identidade, novas maneiras de viver e, ao fazer isso, atacaram os valores orientados para o centro, da sociedade existente.
Notas
E. J. Hobsbawn, Primitive Rebels: studies in archaic form of social movements in the 19th and 20th Centuries. Manchester, 1959, p. 115: “não havia nada mais fácil para o popolino (“povinho”) do que se identificar com a cidade e os governantes. Embora fosse miserável e destituído, não era diretamente explorado pela Corte Bourbon ou papal, mas, ao contrário, era seu parasita, partilhando, embora modestamente, da exploração geral das províncias e dos camponeses por parte da cidade.”
O anarquismo é o nome dado a um princípio ou teoria de vida e conduta, segundo a qual a sociedade é concebida sem governo – a harmonia nesta sociedade é obtida, não pela submissão á lei, ou pela obediência a alguma autoridade, mas pelos acordos livres, obtidos entre os vários grupos, territoriais e profissionais, livremente constituídos para fins de produção e consumo, e também para a satisfação da infinita variedade de necessidades e aspirações de um ser civilizado (…).
Eu quis por essa palavra (anarquia), marcar o termo extremo do progresso político. A anarquia é, se posso exprimir-me assim, uma forma de governo, ou constituição, na qual a consciência pública e privada, formada por desenvolvimento da ciência e do direito, é suficiente à manutenção da ordem e à garantia de todas as liberdades em que, por conseqüência, o princípio de autoridade, as instituições de política, os meios de preveção ou repressão, o funcionalismo, o imposto etc., encontram-se reduzidos à sua expressão mais simples (…). (P.-j. Proudhon, Correspondance, XIV, Paris, 1875, p. 32).
(…) o princípio fundamental da anarquia é a garantia da possibilidade do livre desenvolvimento por meio do desafio positivo (solidariedade inteligente) e da eliminação dos obstáculos e da retardação (coação e servidão voluntária)”. (Marx Nettlau, Anarchisten und Sozialrevolutionäre. Die Historische Entwicklung des Anarchismus in der Jahren 1880 – 1886, Berlim, 1931, p.5).
Ver, por exemplo, Eric Wolf, Peasant Wars Of The Twentieth Century, Nova York, 1969, pp. 60 – 61, para descrições de participação igualitária no Mir russo e seu modo de atingir o consenso: “Conseguir a unanimidade produzia um profundo sentido de satisfação e de solidariedade comunal, e os membros da comunidade, reunidos no Mir, dispersavam-se sem que um voto tivesse sido declarado, sem nenhuma comissão formada e, ainda, com o sentimento de que cada homem sabia o que era esperado dele”. (G. Gorer e J. Rickman, The People of Great Russia, Nova York, 1951. p. 223).
A. Gramsci, José Carlos Mariátegui etc. – sempre foram muito não-ortodoxos, e até heréticos em sua época. Todos tinham um interesse forte e positivo por categorias periféricas e movimentos sindicalistas, o que não era absolutamente apreciado por marxistas ortodoxos. “Gramsci exige uma autonomia dos conselhos operários, não só dos sindicatos, mas também do Partido Socialista revolucionário, mesmo se inicialmente os conselhos perdem-se num sindicalismo ‘natural’ e no anarquismo”. (Times Literary Supplement, 24 de agosto de 1967).
Anarchy , A Journal of Anarchist Ideas, nº 3 , maio de 1961:
Os Ibo na Nigéria, os Kikuyu do Quênia e os Tonga da Rodésia são três exemplos de onde já temos a base para uma sociedade fundamentalmente descentralizada.
Nestor Makhno, B. Durruti.
Michael Lerner, “Anarchism and the American Counter-Culture”, in: Anarchism Today, op. cit., p. 59:
Minha observação final é, pois, que – mesmo que a sociedade tecnológica não requeira uma tendência ao anarquismo como a única alternativa à aniquilação ou ao envenenamento – a sociedade tecnológica pode, com suas exigências de trabalhadores altamente qualificados, ajudar a criar homens que necessitam (e sejam capazes) de relações interpessoais e éticas de um tipo diferente.
O argumento é metafísico e tendencioso; mas não absolutamente impossível que a tecnologia participe novamente – como parece ter feito no passado – na transformação dos ciclos da vida dos homens, que então moldam a tecnologia às suas novas necessidades e capacidades. Se a contracultura profetiza, de algum modo, a maneira pela qual se transformarão as necessidades e capacidades, o modelo e os valores anarquistas podem ter mais relações com a forma da sociedade futura do que nós esperávamos.