Um vaso de flores
Entro na sala e não encontro nada exceto um galão de vinte litros de água. Naquela altura, as cadeiras, a pia, o ventilador, a cafeteira e o pequeno aparelho de som não chamam minha atenção. Fixo meu olhar naquele curioso galão de água.
Em menos do que um instante, um turbilhão de perguntas invadiu minha mente cansada e atordoada pelas preocupações corriqueiras – entretanto volumosas – do dia-a-dia:
– Quem levou aquele galão até lá?
– O que estará ele fazendo naquele canto?
– Para onde ele será levado e utilizado?
– De onde vem a água que nele se encontra?
– Quanto custou e onde foi comprado?
– Poderia ser só um enfeite no canto da sala?
– A cor azul do plástico que envolve a água é por motivo de legislação específica ou tão somente por falta de criatividade da empresa que envasa a água?
– Qual o percentual de cada sal mineral contido na água?
– Quais os caminhos que a água trilhou nos últimos anos até chegar àquele galão?
– Um galão de vinte litros de água mineral pesa o mesmo que um galão de vinte litros de água potável da torneira?
E as perguntas surgiam sem fim, me fazendo esquecer meu objetivo naquela sala e as cacofonias que produzia. O tempo passou, a noite caiu. Com ela o silêncio (alguém havia apagado o rádio, pouco antes da escuridão tomar conta da sala).
Não mais que de repente, o galão de água era apenas um corpo pouco nítido, mas claro o bastante para ver minha própria imagem nele refletida, com ajuda da parca iluminação vinda do corredor.
Nunca antes havia vislumbrado minhas formas: pernas finas, assim como os ombros e parte superior do corpo; cintura e abdômen largos, algo que poder-se-ia chamar de “aspecto cilíndrico quase-esférico”; do alto de minha cabeça, lindas extensões filiformes verdes com corpos multi-petalados coloridos – amarelos, vermelhos, brancos e cor-de-laranja. Gostei do que vi. Nada mau para um vaso de flores.