Uma parte desta compra fará você se sentir bem
O texto a seguir foi traduzido do original de Sasha Dichter, Diretor de Desenvolvimento de Negócios do Acumen Fund, um fundo global sem fins lucrativos que investe em empreitadas para combater a pobreza nos países em desenvolvimento:
Sempre tive para mim como “dignas” as campanhas beneficentes “amarradas” (“uma parte desta compra irá para a caridade”) mas pensava que seria um comentário tão óbvio que o deixava passar. Até hoje. Me deparei com uma gigantesca campanha de 6 páginas da Bulgari na revista Vanity Fair. Passeei pelas seis bonitas fotos em preto-e-branco com estrelas de cinema que eu admiro, começando com Isabela Rosselini, e citações como “Vamos dar um futuro melhor às nossas crianças” e “Toda criança merece educação”. OK, você ganhou minha atenção.
Na sexta página há um pesado anel de prata estilo Senhor dos Anéis usado pelas estrelas do cinema. Compre um “anel de prata Bulgari criado especialmente para a campanha para ajudar a educação de crianças… Uma parte dos lucros irá ajudar a reescrever o futuro de milhões de crianças” com o dinheiro sendo dado à ONG Save the Children.
Uma campanha “amarrada” similar que o NY Times relatou no ano passado, foi a campanha da Product(Red) que gastou 100 milhões de dólares em publicidade para arrecadar 18 milhões para o Fundo Global de Combate à SIDA, Malária e Tuberculose.
Obviamente eu não tenho problemas com grandes companhias doando para a caridade, nem acho que a Save The Children deve ser questionada, já que fazem um trabalho maravilhoso e é absolutamente válido lhes dar suporte. E palmas para os artistas de cinema por darem suporte a uma causa válida.
É a parte onde se diz “parte dos lucros” que me pega. Bulgari está aparentemente doando 1 milhão de euros e arrecandando 9 milhões de euros com esta campanha, e 50 euros do custo de 290 euros do anel irá para o Save the Children. Isto advindo de uma companhia com vendas de mais de 1 bilhão de euros em 2008.
Sim, é muito melhor do que nada. Mas é muito menos do que poderíamos fazer. É uma mentalidade do “não-sacrifício”. Claro, é bom para o Save the Children, pela ajuda na percepção da importância da educação, e é bom para a Bulgari. Mas quando eu olho para todos os recursos que foram utilizados neste anúncio da Vanity Fair, eu tenho a certeza de que a Save the Children está ficando com as migalhas deixadas em cima da mesa.
Para iniciantes, até onde eu sei, o anúncio de 6 páginas da Vanity Fair custa cerca de 85 mil dólares por página, ou um total de 510 mil dólares (este é minha primeira vez lendo um cartão de preços… alguém corrija-me se eu estiver errado). Assim, incomoda-me o fato da doação se constituir de migalhas de uma torta muito maior.
Além disso existe algo que não cheira bem acerca dos compradores da Bulgari, que por definição são ultra-ricos, usando um anel de 300 euros para dizer “Eu estou fazendo algo para melhorar a educação de crianças pobres nos países em desenvolvimento”, e o valor total de sua doação para o Save the Children é de 50 euros!
Finalmente, existe uma questão central aqui: Me deixa enjoado imaginar um efeito angelical para uma marca ultra-premium como Bulgari às expensas de pobres crianças nos países em desenvolvimento.
Eu gostaria de ver um painel completamente diferente, e charity:water nos dá o exemplo. Eles permitem que você compre um recipiente de água de 20 dólares, com 100% do valor sendo doado à caridade. Pague 10 vezes mais, porque todos podemos fazer mais e dar mais, e todo o dinheiro irá para a caridade. Doar é importante, não é um passe livre ou um erro de arredondamento em sua última compra.
Se 10x o preço está situado em um patamar muito alto, pelo menos peça às campanhas “amarradas” que doem o valor total do produto à caridade. Este deveria ser o mínimo. É 100% transparente, é mais honesto, e força a multinacional a colocar sua pele no jogo. Ademais, imagine o que acontece dentro da companhia quando eles promovem um produto que não lhes dá um tostão de lucro? Eu aposto que eles ganham mais – e não menos – energia, entusiasmo, criatividade e sacrifício. As pessoas lutariam para trabalhar neste projeto.
Alguém aí fora poderia por favor criar um logo/marca/padrão “100% para a caridade” para servir de exemplo aqui?
4 Comentários
suely
Sasha
V expressou muito bem minha restrição à caridade atrelada à propaganda, que benefia muito mais o “doador”. A caridade deve ser anônima e silenciosa.
Andrea
Associar um evento ou marca famosa a uma filantropia é pura hipocrisia. É lógico que todos ajudarão porém só uma pequena porcentagem é repassada aos pobres.
Ulisses Adirt
Lindo tb vai ser, amigo, quando textos como esse (http://www.cocadaboa.com/2008/04/banco_real_nao_financia_mais_v.php) não forem só fruto da imaginação de escritores.
Leona Forman
Presidente
Bravo Sacha! Tem toda razão.
Abraços,
Leona