Uncategorized

Excertos de Escrever Por Escrever (18/06/2000)

“Não me pergunte o que eu não sei responder…

São coisas que a vida faz a gente sofrer…”

Violência. Reféns presos em um ônibus. Jardim Botânico, Rio de Janeiro. Policiais e um bandido armado. Tensão. Morte fingida. Desespero, angústia. O assaltante sai do ônibus com a refém. É cercado por policiais. Um policial tenta atirar no bandido. Suspense. O bandido descarrega a arma na refém. Ela é lavada ao Hospital. Ele é levado no camburão com policiais. Ela recebeu três tiros. Morreu. De verdade. Ele não recebeu nenhum tiro. Morreu. Sufocado. E a violência continua. E as leis continuam a ser feitas. E elas funcionam cada vez menos. Novas leis tem de ser feitas para regular as primeiras. E o caos continua se instalando. Falência moral. O ser humano está em um estado de degradação. Se leis têm que ser feitas, é porque existe algo de muito errado com a consciência individual e da sociedade. Leis não significam avanço da civilização. Leis significam a queda de uma cultura, de um grupo humano. As coisas vista pela janela são bem diferentes daquelas vistas através da janela, mas sem o vidro. Devemos ver através da janela. Muitas pessoas mantém a janela fechada. Elas não vem o mundo como ele realmente é. Muitas pessoas constróem várias janelas. Algumas com vidro fosco, outras com vidros coloridos, esculpidos, jateados com areia ou mesmo simplesmente transparente, mas que não mostram as coisas como realmente são, mas sim como elas aparentam aos sentidos, deturpados pela lente da janela. As pessoas morrem. E vão continuar morrendo. E o problema não é esse. É a forma. É o sentimento. É o como e o porquê. Morrer depois de ter-se esgotado em prazer ou sofrimento é fisiológico. Morrer com a sensação de algo inacabado é fatalidade. Morrer sem saber por quê é em vão. Morrer por um bom motivo, dizem alguns, é a redenção. A definição de bom motivo é que é o problema. De boas intenções e de bons motivos o mundo está cheio. Apesar de não sabermos o que são. Definir as coisas é importante. Deve ser o começo do nosso trabalho. Conceitualizar, definir, dar nome aos bois. Cortar as unhas de vez em quando é bom. São estudantes, pais de reféns, tenentes-coronéis. São pessoas comuns, são assassinos cruéis. São bons e maus invertendo os papéis. São rimas malucas, pinéis. São mistérios da meia-noite, que voam longe, bem longe…

Será que a poesia encanta e acalma a alma? Será que ler e fazer arte abranda o sofrimento e sublima a agressividade? Pintar, esculpir, cantar, dançar, fotografar, tecer, desenhar e redesenhar… São tantas as perguntas e tão poucas as respostas satisfatórias… Na verdade, cada nova resposta traz mais perguntas do que a satisfação da resposta alcançada. O ponto serve para afirmações. As reticências para deixar a dúvida ou a incompletude. A exclamação demonstra indignação, surpresa. A interrogação é a pergunta, a própria dúvida, o questionamento. Proponho que todos que estiverem lendo esse trecho que agora escrevo parem nesse momento, peguem um pedaço de papel, um lápis e uma borracha e escrevam uma poesia (ou pelo menos algo que considerem que seja uma poesia) e mais tarde mostrem para uma pessoa e peçam que esta lhe dê uma opinião sincera. Cuidado com a opinião de uma pessoa muito amiga! Melhor seria a opinião de uma pessoa desconhecida, mas se sua timidez não o permitir pode ser qualquer outra pessoa, até sua mãe ou filho(a). {18/06/2000 – Domingo – 20:25}

Rafael Reinehr é médico endocrinologista, anarquista, escritor, permacultor, ativista oikos-socio-ambiental e polímata ma non troppo.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.