Bichinhos

A vida e a ida de um cão

Hoje cheguei em casa com um pedaço a menos.

Era dia de enterrar o Sancho, meu querido golden retriever, doce, amado, inteligente e sensível cãozinho.

Cheguei em casa e precisava de conforto. Precisava encher a casa de vida. Fui pra cozinha, preparar algo para comer. Tinha que ser algo no forno, que inundasse a casa de cheiros bons. E que me permitisse tempo para organizar as outras coisas que tinha a fazer. Enchi uma taça de vinho tinto. Coloquei um som cheio de energia no toca discos. Trouxe minha cadela, a Bhali, para dentro de casa. Precisava de vida.
Hoje é quinta-feira. Cheguei em casa na segunda-feira à noite, depois de um final de semana delicioso com meus filhos, que estão morando com a mãe no Rio Grande do Sul. Quando cheguei, fui trocar a água dos cães e ver se tinham comida. A Bhali, minha labradora, feliz e agitada como sempre. O Sancho, por sua vez, estava letárgico, não quis comer nada do que lhe ofereci, mesmo petiscos deliciosos que nunca recusava. Estava vomitando com frequência, babando uma secreção espessa, branca, e dos olhos saía um pouco de secreção negra. Chequei se estavam confortáveis, abri a portinha da parte de trás da casa para que pudessem se alojar no deck. Já era tarde, pensei: primeira coisa a fazer pela manhã é ligar para a veterinária.

Foi o que fiz. Nossa veterinária prontamente foi buscar o Sancho lá em casa, e começou a investigar o que poderia estar havendo. Isso foi na terça-feira. Hoje, depois de perguntar por notícias do Sancho, recebi a seguinte mensagem:

“Rafael, infelizmente não tenho boas notícias o Sancho não resistiu e faleceu.”

Tentei manter-me tranquilo. Estava no meio da tarde, em meio a uma série de atendimentos que só viriam terminar depois das 19 horas. Solicitei à veterinária para que pudesse pegar meu cãozinho hoje mesmo, para poder enterrá-lo perto de mim, nos fundos de casa. Apesar de causar-lhe transtorno, ela se ofereceu para levá-lo para sua casa, onde passei para pegá-lo depois do trabalho.
Envolto em saco plástico preto, lá estava ele, inerte, sem vida. Meu querido Sancho, amado cãozinho que veio para nossa casa em 2008, um mês depois da Bhali, nossa amada cadela. Em 2008, casei com a Carol, e nos mudamos para uma casa no bairro Jardim das Avenidas, casa esta que chamo de Solar das Lagartixas. Ali, com um pátio bem grande, surgiu o desejo de ter um cãozinho. Veio a Bhali, sapeca e arteira e, logo, a percepção de que um irmãozinho pra ela faria bem. E chegou o Sancho, uma pequena bolinha de pêlos, lindo e, desde o comecinho, supersensível e observador. Olha só algumas fotos deles: http://reinehr.org/blog/2008/08/21/fotos-de-quinta-036-21082008/
Foram seis anos de alegrias com este cão maravilhoso, extremamente afetivo, por vezes arteiro mas que sabia quando fazia arte e já se escapulia sorrateiramente quando ouvia seu nome sendo chamado em volume alto e duro. Mas as estripulias nem se comparavam ao carinho, companheirismo e alegria com que sempre flanava por entre nós nestes anos.
Chegar em casa com meu cão em meus braços, apresentá-lo sem vida a sua irmãzinha Bhali, que o cheirou desde que chegou, enquanto ainda estava no porta-malas do carro, deixá-la percebê-lo sem vida. Vê-la passar por instantes de confusão, deixá-la acompanhar a preparação do leito no qual o Sancho viria a ser enterrado, junto à nossa antiga composteira, despedir-se dele, cobri-lo com terra e afastar-se do seu túmulo, sem olhar para trás, tudo faz parte de um ritual que nos leva ao entendimento de algo que já sabemos, mas que sempre nos traz dor: a morte é uma certeza cuja chegada é, para todos nós, incerta.
Desejaria não estar viajando tanto nestes últimos meses, para poder estar mais perto e aproveitar melhor todo o carinho de meus cães. Desejaria que meus filhos pudessem acompanhar o envelhecimento dos amiguinhos que estiveram com eles desde seu nascimento. Desejaria poder estar mais presente e, quem sabe, detectar a doença do Sancho com maior antecedência, para que desse tempo de fazer algo para salvá-lo. Desejaria que mais amor estivesse presente nesta casa, para que nosso amado e sensível cão não sentisse a falta desse sentimento que nos nutre a todos, seres vivos.
Seu corpo era frágil, sua vida material se foi. Seu espírito, esse eu sei que continua por aí, vivo, doce, feliz, sensível e incrivelmente inteligente, animando crianças e adultos onde quer que esteja. As lágrimas que agora correm em minha face são a prova de que ainda vives, e vais viver não só na minha memória mas também nas memórias da Carol, do Benjamin, do Conrado e de todo mundo que você encantou e enterneceu, Sancho amado.
Pode deixar que vou cuidar muito bem da Bhali, ela está aqui do lado, ainda sem entender muito bem tudo o que aconteceu. Acho que, para ela, ainda não caiu a ficha. Espero que possa cuidar da tristeza que ela certamente sente pela sua falta, a falta do irmãozinho querido com a qual brigava e brincava intensa e amorosamente.
Fique bem e fique por perto. Quero continuar te sentindo e sentindo teu amor por muitos e muitos anos ainda, meu cão amoroso e companheiro.

Que tenhas paz, muitos petiscos e brinquedos aí por onde andas. Te amo muito.

Com carinho,

Rafael

 

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