Caldeirão de Sabores

A epistemologia da gastronomia

    O Caldeirão de Sabores desta semana é especial: não apresentará nenhum prato novo, mas ao mesmo tempo trará um convidado especialíssimo: o professor de História da Gastronomia João Luis de Almeida Machado.  João é Professor e pesquisador do Centro Universitário Senac – Campus Campos do Jordão/SP; é Doutorando em Educação:Currículo pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Editor do portal Planeta Educação (www.planetaeducacao.com.br).

    Estou certo que o artigo produzido pelo professor será de grande interesse para aqueles realmente interessados pela Gastronomia em seu amplo aspecto, que inclui seu componente histórico e epistemológico. Sem mais delongas, vamos ao texto.

 

Resumo: Existimos em virtude da alimentação entretanto, há algum tempo abandonamos a idéia de que basta simplesmente saciar a fome para resolver a relação que estabelecemos com os alimentos. Essa relação tornou-se mais complexa, rica, variada e cheia de exigências por parte da humanidade. Fizemos uma revolução na alimentação a partir da Idade Moderna e do advento da gastronomia que nascia com os cozinheiros dos reis da corte francesa. O que se pretende com esse artigo é introduzir o tema a partir de um breve e introdutório texto que narra a epistemologia da gastronomia.

Palavras-chave: Gastronomia, Epistemologia, História, Alimentação, Ciência.

    O Caldeirão de Sabores desta semana é especial: não apresentará nenhum prato novo, mas ao mesmo tempo trará um convidado especialíssimo: o professor de História da Gastronomia João Luis de Almeida Machado.  João é Professor e pesquisador do Centro Universitário Senac – Campus Campos do Jordão/SP; é Doutorando em Educação:Currículo pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Editor do portal Planeta Educação (www.planetaeducacao.com.br).

    Estou certo que o artigo produzido pelo professor será de grande interesse para aqueles realmente interessados pela Gastronomia em seu amplo aspecto, que inclui seu componente histórico e epistemológico. Sem mais delongas, vamos ao texto.

 

A Epistemologia da Gastronomia

João Luís de Almeida Machado

Resumo: Existimos em virtude da alimentação entretanto, há algum tempo abandonamos a idéia de que basta simplesmente saciar a fome para resolver a relação que estabelecemos com os alimentos. Essa relação tornou-se mais complexa, rica, variada e cheia de exigências por parte da humanidade. Fizemos uma revolução na alimentação a partir da Idade Moderna e do advento da gastronomia que nascia com os cozinheiros dos reis da corte francesa. O que se pretende com esse artigo é introduzir o tema a partir de um breve e introdutório texto que narra a epistemologia da gastronomia.

Palavras-chave: Gastronomia, Epistemologia, História, Alimentação, Ciência.

Abstract: We are alive because of alimentation. However, since some time we abandoned the idea that only by feeding ourselves to defeat our hunger is enough to solve the relationship that was established with food. This relation became more complex, rich, varied and filled of expectations coming from humanity. We made a revolution on alimentation since the Modern Ages and the arrival of gastronomy which was being born by the action of the cooks or chefs on the court of the French kings. Within this article we intend to introduce this subject with a short text that narrates the epistemology of gastronomy.

Keywords: Gastronomy, Epistemology, History, Alimentation, Science. 

As ciências não são como Minerva, que sai completamente armada do cérebro de Júpiter; são filhas do tempo, e se formam insensivelmente, primeiro pela acumulação dos métodos indicados pela experiência, mais tarde pela descoberta dos princípios que se deduzem da combinação desses métodos.2

Primeiro a necessidade. Depois a arte. Por fim a ciência. Em todos esses momentos a presença humana em sua relação de incondicional paixão e imprescindibilidade quanto aos alimentos. Se através de imagens como a do filme 2001 – Uma Odisséia no Espaço, do diretor Stanley Kubrick, vemos uma humanidade animalizada, equiparável aos símios, lutando com outras espécies e contra si mesma pela posse dos recursos alimentícios, estamos diante do fruto da ciência em sua relação com a cultura, mais especificamente com a arte e com a gastronomia.
São amostras daquilo que imaginamos ser as primeiras experiências humanas e, através das mesmas percebemos que desde sempre estamos condicionados a uma relação de grande intensidade e proximidade com os alimentos.
Nessa etapa apenas necessitávamos dos alimentos. Tratava-se fundamentalmente de uma relação fisiológica. Era o nosso corpo a nos guiar pelos quatro cantos do mundo a buscar a comida que iria nos saciar e nos fazer sobreviver. Não tínhamos ainda o conhecimento da gastronomia propriamente dita, queríamos apenas responder aos anseios de nosso estômago, a partir de diretivas dadas por nossos pequenos cérebros de então.
O aperfeiçoamento tecnológico gradual que nos fez mudar das cavernas para as vilas, das aldeias para as cidades, do campo para a zona urbana, da economia basicamente agrária e de subsistência para a produção industrial destinada ao mercado é que nos foi, aos poucos, impulsionando para a transformação das nossas ligações com a comida. Num primeiro momento apenas como arte de alguns iluminados que teimavam em levar os alimentos muito mais a sério do que a maioria das pessoas, que se contentavam apenas em prepará-los de forma básica, sem muita incrementação.

Certamente, enquanto a preparação da comida foi exclusivamente confiada a servidores pagos, enquanto seu segredo permaneceu nos subterrâneos, enquanto apenas os cozinheiros dominaram essa matéria e só se escreveram livros de culinária, os resultados de tais trabalhos não foram mais que os produtos de uma arte.3

O encontro da gastronomia com a ciência é anterior ao surgimento de uma definição desse termo. Na verdade as misturas e sabores perseguidos pelos cozinheiros fizeram com que as primeiras transformações químicas fossem observadas e consideradas como etapas de uma transformação mágica que nos legava sopas, caldos, cozidos, assados, pães, bebidas,…
E mesmo o surgimento de conceitos explicativos a respeito do que é a gastronomia não permitiu que se chegasse a um consenso, que se atingisse uma consideração universalmente validada e reconhecida quanto ao termo. Há explicações demasiadamente objetivas, como a de Maria Lúcia Gomensoro em seu Dicionário de Gastronomia, que delimita o verbete a simplesmente “a arte do bem comer e do saber escolher a melhor bebida para acompanhar a refeição”4 até a junção da poesia e da cientificidade percebida nas palavras de Brillat-Savarin:

A gastronomia é o conhecimento fundamentado de tudo o que se refere ao homem, na medida em que ele se alimenta. Seu objetivo é zelar pela conservação dos homens, por meio da melhor alimentação possível. Ela atinge esse objetivo dirigindo, mediante princípios seguros, todos os que pesquisam, fornecem ou preparam coisas que podem se converter em alimentos.5

A partir da modernidade e, principalmente depois das revoluções burguesas, passamos a navegar com intensidade por um oceano de possibilidades e incertezas. Todas as dúvidas nos levavam a buscar explicações mais sólidas e confiáveis. Hoje sabemos que “tudo que é sólido desmancha no ar” e que as verdades científicas não são para sempre. Apesar disso ainda carecemos das mesmas e, com o auxílio de técnicas que se aperfeiçoam cada vez mais, buscamos responder aos anseios de nossas vidas com o apoio da ciência.
No que tange a alimentação não poderia ser diferente. Descobrimos que é necessário entender os processos físico-químicos por detrás das transformações que levam ao surgimento de nossos alimentos elaborados tanto quanto queremos saber a composição natural das frutas, verduras, legumes, carnes, ovos e laticínios que consumimos diariamente.
É por esse motivo que levamos Einstein para a cozinha em busca de explicações por parte da ciência para a transformação mágica empreendida através de nossos fornos, panelas, grelhas ou microondas, conforme título de importante e destacado livro publicado acerca da relação entre a alimentação e a ciência.

Junto com a recente explosão do interesse pela comida e pela culinária surgiu um desejo crescente de entender os princípios químicos e físicos que determinam as propriedades e o comportamento de nossos alimentos.6

Também somos motivados a buscar o prato perfeito ao emendar pesquisas por todos os continentes em que queremos descobrir os mais diversos alimentos e suas formas de preparação. Há diários que registram essa busca pelo Graal da alimentação como aquela do célebre relato de Anthony Bourdain.

Peneirar o mundo atrás da combinação perfeita entre comida e lugar. Rio acima no Sudeste Asiático para comer cobra e ninhos de aves; depois, La Teste e um prato de soupe de poisson. Escalar as alturas da nova alta cozinha, o French Laundry em Napa Valley, nunca comi lá! Aquele cara o Arzak, na Espanha, os cozinheiros só falam nele. Olho, presto atenção e no final, quem sabe, não acho a refeição mais perfeita do mundo? 7

A busca do conhecimento em gastronomia transcende o ideal do prato perfeito de Bourdain. Vai muito em busca do homem que comeu de tudo e que tenha as respostas, as experiências, os relatos, os dados medidos/avaliados/analisados e que possa, a partir do conjunto de conhecimentos adquiridos ao longo de sua existência pessoal e profissional, conceber empreendimentos gastronômicos, elaborar pratos diferenciados, produzir alimentos novos a partir dos recursos conhecidos, aperfeiçoar os hábitos à mesa, propor releituras de antigas receitas, reconhecer e identificar diferentes escolas e tradições gastronômicas,…
É nesse momento que nos lembramos das palavras do crítico gastronômico da revista Vogue e que atestam que temos muito a descobrir acerca dos alimentos e da gastronomia…

A beleza de ser onívoro é que podemos tirar nutrição de uma infinita variedade de floras e faunas e facilmente nos adaptar a um mundo variável – quebras de safras, secas, migrações de rebanhos, fechamento de restaurantes e coisas assim. Os leões e tigres passariam fome num bufê de saladas, assim como as vacas numa churrascaria, mas nós não. Diferentemente das vacas, que permanecem bem nutridas comendo só grama, os seres humanos precisam de grande diversidade de alimentos para continuar saudáveis. 8

Referências:

BOURDAIN, Anthony. Em busca do prato perfeito: Um cozinheiro em viagem. São Paulo: Cia. das Letras, 2003.

GOMENSORO, Maria Lúcia. Pequeno Dicionário de Gastronomia. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999.

SAVARIN, Brillat. A fisiologia do gosto. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.

STEINGARTEN, Jeffrey. O homem que comeu de tudo. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.

WOLKE, Robert L. O que Einstein disse a seu cozinheiro: A ciência na cozinha. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.

 

2.SAVARIN, Brillat. A fisiologia do gosto. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. pág. 55.
3. SAVARIN, Brillat. A fisiologia do gosto. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. pág. 56.
4. GOMENSORO, Maria Lúcia. Pequeno Dicionário de Gastronomia. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999. pág. 194.
5. SAVARIN, Brillat. A fisiologia do gosto. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. pág. 57.
6. WOLKE, Robert L. O que Einstein disse a seu cozinheiro: A ciência na cozinha. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. pág. 9.
7. BOURDAIN, Anthony. Em busca do prato perfeito: Um cozinheiro em viagem. São Paulo: Cia. das Letras, 2003. pág. 15.
8. STEINGARTEN, Jeffrey. O homem que comeu de tudo. São Paulo: Cia. das Letras, 2000. pág. 13.
 

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