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Medicina e Saúde

O Caso do Dentista que Queria Ser Médico e a Dissonância Cognitiva

É extremamente difícil escrever sobre este assunto, e já estou imaginando a caixa de mensagens ser invadida por hordas de haters. Bem, venham com tudo. As defesas da fortaleza da Casa de Tully estão prontas!

Recentemente, a seção A Grande Reportagem do Domingo Espetacular da Record TV apresentou a história de um dentista conhecido por criar uma nova metodologia revolucionária chamada Modulação Hormonal Nano. Segundo este dentista, que se apresenta com vários títulos nas mídias sociais (alguns deles sem comprovação, sendo o profissional inclusive “convidado a se retirar” de algumas graduações – segundo a reportagem), a testosterona seria uma panacéia, capaz de sanar múltiplos males, inclusive cânceres variados como o de mama, por exemplo.

Enquanto se dão as devidas denúncias e investigações pelo Ministério Público para a possibilidade de Formação de Quadrilha (juntamente com a Farmácia de Manipulação que é indicada “fortemente” pelo profissional), Charlatanismo e Exercício Ilegal da Medicina, entre outras, este artigo não entrará no mérito da qualificação do profissional para atuar como médico sem que tenha devida inscrição no CRM.

O presente artigo visa acompanhar o estado de comoção generalizada que se seguiu à referida reportagem, e a ampla defesa realizada, por parte de seguidores, alunos e apoiadores do referido profissional.

A reportagem foi veiculada ontem, e hoje já existem espalhadas pelas mídias sociais centenas senão milhares de mensagem de suporte ao acusado. O que nos faz pensar: é legítima a causa, e tal indivíduo está acossado e sendo perseguido pelos meios instituídos (Conselhos Profissionais (de Odontologia, Medicina), pela mídia e pelo Ministério Público), ou estarão as pessoas que o defendem passando por um gigantesco processo de defesa da sua sanidade mental, econômica, social e buscando evitar a todo custo o enfrentamento da Dissonância Cognitiva?

Explico.

Da Wikipedia:

“Dissonância cognitiva foi inicialmente desenvolvida por Leon Festinger, professor da New School for Social Research de Nova York para explicar que existe uma necessidade nos indivíduos de procurar uma coerência entre suas cognições (conhecimento, opiniões ou crenças). Quando existe uma incoerência entre as atitudes ou comportamentos que acreditam ser o certo com o que é realmente praticado ocorre a dissonância.

De acordo com a teoria da dissonância cognitiva de Festinger (1957), um indivíduo passa por um conflito no seu processo de tomada de decisão quando pelo menos dois elementos cognitivos não são coerentes. Em outras palavras, quando uma pessoa possui uma opinião ou um comportamento que não condiz com o que pensa de si, das suas opiniões ou comportamentos vai ocorrer dissonância. Quando os elementos dissonantes são de igual relevância ou importantes para o indivíduo, o número de cognições inconsistentes determinará o tamanho da dissonância.”

O vídeo abaixo explica de forma introdutória o conceito básico:

Então, vamos imaginar que o nosso “herói” passa a ser atacado. Qual será nossa atitude? Vamos ouvir atentamente as críticas e tentar rebatê-las de forma racional ou vamos automaticamente revidar, mesmo sem questionar as informações apresentadas?

O processo de Dissonância Cognitiva é muito doloroso. Perceber que toda nossa vida recente tem sido construída como um Castelo de Areia, e que a maré está chegando implacável para nos trazer a um ponto, em alguns casos distante do passado, é quase inconcebível para algumas pessoas. Aceitar que se estava errado nas escolhas e no caminho que seguimos pode ser destruidor para a psiquê e para a vida pessoal e emocional de muitas pessoas.

Fico imaginando o desespero de pessoas que seguem, expõe fotos com amplos sorrisos, divulgam incessantemente conteúdos relacionados à Modulação Hormonal Nano, colocam # relacionadas ao método em seus perfis nas redes sociais, se comprometeram profundamente e, atualmente, tem boa parte da sua carta de clientes graças a tal metodologia precisando se retratar com toda comunidade de pessoas que atendem. Sendo questionados sobre a veracidade dos fatos. Afinal, quem está com a razão?

Mentiras sinceras me interessam

Para tentar diminuir ou eliminar a dissonância existem três formas:

Relação dissonante: O indivíduo tenta substituir uma ou mais crenças, opiniões ou comportamentos que estejam envolvidos na dissonância.

Relação consonante: O indivíduo tenta adquirir novas informações ou crenças que irão aumentar a consonância.

Relação irrelevante: o indivíduo tenta esquecer ou reduzir a importância daquelas cognições que mantêm a situação de dissonância

A principal defesa que tenho visto em relação ao caso é: o profissional faz pesquisas científicas para comprovar suas asserções.

Entretanto, não tenho acesso a estas pesquisas. As referências não passam de alguns relatos de casos. O mais baixo grau de evidência científica existente. Onde estão os Ensaios Clínicos Randomizados Controlados por Placebo? Onde estão as poderosas Metanálises?

É mais fácil usar o argumento de Teoria da Conspiração dos meios estabelecidos – como já utilizado por outros profissionais adeptos da Picaretologia Moderna do que demonstrar as evidências existentes com transparência.

A teoria da dissonância cognitiva afirma que cognições contraditórias entre si servem como estímulos para que a mente obtenha ou produza novos pensamentos ou crenças, ou modifique crenças pré-existentes, de forma a reduzir a quantidade de dissonância (conflito) entre as cognições.

A dissonância pode resultar na tendência de confirmação, a negação de evidências e outros mecanismos de defesa do ego. Quanto mais enraizada nos comportamentos do indivíduo uma crença estiver geralmente mais forte será a reação de negar crenças opostas.

Em defesa ao ego, o humano é capaz de contrariar mesmo o nível básico da lógica, podendo negar evidências, criar falsas memórias, distorcer percepções, ignorar afirmações científicas e até mesmo desencadear uma perda de contato com a realidade (surto psicótico).

 

Antes de finalizar, gostaria de servir como advogado do diabo e fazer uma crítica à reportagem da Rede Record: esta é uma reportagem cheia de falhas metodológicas, e mostra um jornalismo raso que não condiz com uma seção de programa dominical de alta visibilidade que se quer chamar de A Grande Reportagem. A pressa em “publicar” com exclusividade tal matéria fez com que a investigação tenha sido superficial, não incluiu (como deveria) muitos casos de pessoas que já foram prejudicadas pelos tratamentos propostos – resumindo-se a uma pessoa que se recusou a fazer o tratamento por considerá-lo absurdo e a um lutador que não obteve benefícios com o tratamento. Entretanto, a investigação deveria (e deverá, espero) ser muito mais profunda e ouvir, a partir de agora, as pessoas que já foram tratadas por uma metodologia cientificamente inconcebível pelo conhecimento atual.

Enquanto a televisão absorve esta crítica, gostaria de convidar os seguidores do referido profissional a apresentarem os tão falados ESTUDOS CIENTÍFICOS nos quais o dentista se apóia para indicar testosterona em altas doses como panacéia para quase todos os males.

Neste ínterim, sugiro a todos que conheçam e acompanhem o perfil @saudehonesta no Instagram: http://instagram.com/saudehonesta, um espaço que está dedicado em apresentar dados verdadeiramente científicos e desmascarar uma série de falácias que estão sendo propagadas pela internet, por vários profissionais que não tem o mínimo interesse em ajudar as pessoas, senão a beneficiarem sua própria imagem e bolso.

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Algumas referências:

1. https://pt.wikipedia.org/wiki/Dissonância_cognitiva
2. https://duploexpresso.com/?p=99867
3. https://psicoativo.com/2016/06/dissonancia-cognitiva-teoria-exemplos.html
4. http://www.portalcafebrasil.com.br/podcasts/508-a-dissonancia-cognitiva/

Rafael Reinehr é médico endocrinologista, anarquista, escritor, permacultor, ativista oikos-socio-ambiental e polímata ma non troppo.

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