Segunda-feira, 28 de junho de 2004 – Tudo muito blue / Cinema e Antropologia
Tudo muito blue / Cinema e Antropologia
O bom de tudo isto é que este quem vos fala tem um textículo publicado lá. Está dentro de "projeto blog: rafael reinehr". O tema da edição é Tudo muito blue. Deixem seus comentários por lá mesmo!
Cinema e Antropologia
Dia desses, em uma aula de Antropologia Visual deparei-me com um texto de Claudine de France, onde a mesma disserta sobre uma das duas tendências essenciais do cinema antropológico: o filme de exposição (em contraposição ao filme de exploração). Claudine tem publicado no Brasil o livro “Cinema e Antropologia”, de onde extraí as informações para esta resenha. Uma das maiores expoentes da Antropologia Fílmica, ao lado de Jean Rouch, o “pai dos documentários e etnografias fílmicas”, Claudine é figurinha básica para todos aqueles que querem aventurar-se nesta instigante área do cinema que é a da realidade colocada na tela.
A primeira afirmação feita é a de que o filme de exposição é, historicamente, anterior ao filme de exploração, justamente pelo caráter clássico pré-existente na realização das etnografias: através de longos períodos de acompanhamento das culturas estudadas, através da realização de entrevistas, etc. Com o surgimento do cinema, simplesmente manteve-se o mesmo trabalho inicial mas acrescentou-se, ao final, o registro daquilo que o olho do etnógrafo havia captado, de certa forma já com uma espécie de “pré-edição” mental realizada.
Quais seriam alguns aspectos que, então, privilegiariam o desenvolvimento de uma assim dita “filmagem de exposição”? Bem, um deles diz respeito a situações em que o ato a ser gravado repete-se várias vezes em curtos períodos de tempo, podendo assim ser facilmente estudado, questionado e, assim, melhor preparado o seu registro.
Outro aspecto que, pelo menos inicialmente, foi importante para o desenvolvimento da filmagem de exposição foi o pouco desenvolvimento tecnológico até então existente, dificultando o trânsito fácil necessário a gravações “intensivas”, por assim dizer. Devido ao uso de películas não suscetíveis a revelação imediata e câmeras mecânicas, que obrigavam tempos curtos de filmagem, o cineasta era obrigado, por uma questão de economia, a planejar uma única sessão de gravações. Frase que resume isso tudo que eu disse: “A pesquisa extra-cinematográfica, sendo uma etapa antecipatória de um futuro registro, encontra sua finalização lógica num filme concebido como procedimento de reconhecimento mais do que de descoberta” (digo eu, exatamente o que o diferencia de um filme de exploração).
Claudine separa, concorde às possibilidades técnicas da década de 50, as alternativas possíveis em relação à gravação das imagens: ou se aceitava a apresentação descontínua dos processos, respeitando o desenvolvimento natural e tentando ressaltar os aspectos fortes, a partir de uma estratégia prévia ou, com certa “vergonha”, recusava-se a fragmentação e “simulava-se” a continuidade com procedimentos de interrupção e reinício dos atos e processos a serem registrados.
A seguir, analisa-se a historicamente “observação direta” dos acontecimentos e seu registro clássico através da escrita e a resistência inicial em relação ao filme. Considerava-se este apenas como uma cópia, um “testemunho da observação direta”. “Temia-se a artificialidade de sua elaboração” (como se não devesse temer a artificialidade da produção de um texto julgado “etnográfico”, menos passível de ser confrontado e questionado, principalmente em eventos raros, longínquos ou que exijam grande demanda de tempo).
Mais tarde, Luc de Heusch faz uma análise favorável à imagem animada, chegando a propor que nas filmagens de rituais, por exemplo, podem aparecer, pela primeira vez, detalhes não obtidos nos levantamentos orais e que, além disso, a imagem exerce função de controle sobre a observação direta, que pode ser corrigida posteriormente.
Aí não se incluem outras facilidades do registro fílmico, como o uso da câmera lenta para estudar aspectos de técnicas corporais como fizeram Jean Rouch e Gilbert Rouget.
A seguir, são enumeradas algumas técnicas utilizadas para “maquiar” os filmes, como por exemplo ocorria para produzir a ilusão de uma continuidade temporal, através do uso do “plano de cobertura”. Usando esta técnica, quando ocorria uma interrupção forçada da filmagem, usava-se um registro de distração, como um “close” do rosto do ator ou um animal doméstico que ronda o lugar, para depois voltar à sequência normal, em uma etapa posterior do desenrolar da ação.
Um problema constatado é o que se chama de pró-filmia, ou seja, o filme em primeiro lugar, mesmo sacrificando a naturalidade das ações. Muitas vezes se tenta negar, mas para conseguir a sequência adequada de eventos o cineasta-antropólogo solicita ao ator da ação que repita determinado gesto que foi perdido na filmagem, caracterizando novamente mais um tipo de mis en scène.
Bruscamente concluindo, o filme de exposição objetiva apresentar ao espectador a idéia que o cineasta-antropólogo faz de um processo, mais do que simplesmente apresentar o processo em sua forma crua. Isso é evidenciado pelas “encenações”, pelas “maquiagens” e pela escolha dos atos marcantes de um protagonista. O cineasta apresenta o resultado final de uma decupagem que inevitavelmente surgiu de uma leitura prévia condicionada à linguagem, quer seja esta interior ou escrita. Disto, conclui-se que os melhores filmes de exposição são possivelmente aqueles previamente construídos com maior esmero, com um fio condutor já determinado possibilitando concisão e simplicidade, sem deixar de escrutinar e esmiuçar o objeto de estudo. Finalmente, Claudine de France sugere que mesmo que novas formas de instrumentação audiovisual gerem novas concepções, ainda encontra-se distante o dia em que as obras provenientes deste novo arranjo metodológico venham a suplantar a qualidade dos melhores filmes de exposição.