O Estado e seu papel histórico – Apontamentos
Em "O Estado e seu papel histórico" Kropotkin traz um rápido novo olhar sobe a História, diferente do que aprendemos nas Escolas "oficiais". Mostra como passamos dos clãs, às comunas rurais, às cidades livres e finalmente ao jugo do Estado.
Trago aqui alguns apontamentos da leitura do livro. Não há busca de coerência ou ligação na seqüência de citações. São apenas apontamentos para referência posterior.
“Com estes elementos – a liberdade, a organização do simples para o composto, a produção e a troca pelos grêmios (as guildas), o comércio com o estrangeiro efetuado pela cidade inteira e não por particulares, assim como a compra de provisões para vendê-las aos cidadãos pelo mesmo preço, isto é, sem lucro algum; – com estes elementos, repito, as cidades da Idade Média transformaram-se, durante os dois primeiros séculos da sua vida livre, em centros de bem-estar para os seus habitantes, em centros de opulência e de civilização como jamais se tinha visto.
Consultem-se os documentos que permitem estabelecer a tarifa da remuneração do trabalho – Rogers estabeleceu essa tarifa para a Inglaterra; e um grande número de escritores alemães estabeleceu-a para a Alemanha – e ver-se-á que o trabalho do artista, e mesmo o do simples jornaleiro, eram remunerados, naquela época, por uma tarifa que ainda não alcançaram, nos nossos dias, os melhores e mais hábeis dos nossos operários. (…)
Examinemos, por fim, os donativos oferecidos às igrejas e às casas públicas da paróquia, da guilda ou da cidade, donativos constituídos por obras de arte, por esculturas, por metais forjados ou fundidos, ou mesmo em dinheiro, e compreender-se-á o grau de bem-estar que existia no seio destas cidades. Ao mesmo tempom conceber-se-á facilmente o espírito de investigação e de iniciativa que caracterizava aqueles homens, o sopro de liberdade que inspirava suas obras, o sentimento de solidariedade e de fraternidade que residia naqueles grêmios, ou guildas, onde os indivíduos de um mesmo ofício estavam unidos, não apenas pelo lado mercantilista ou técnico da profissão, mas também pelos laços da mais franca sociabilidade e da mais pura fraternidade.”
O Estado e seu papel histórico
Piotr Kropotkin
Editora Imaginário
Existem basicamente duas correntes ditas socialistas: uma composta de indivíduos que buscam fazer a revolução social dentro do Estado, mantendo a maior parte de suas atribuições ou até ampliando-as e a outra composta de criaturas que vêem no Estado um obstáculo à revolução social, ao desenvolvimento de uma sociedade baseada na liberdade e na igualdade.
Os anarquistas vêem o Estado como a fórmula histórica elaborada para impedir o florescimento da sociedade norteada por estes dois princípios. Os anarquistas buscam, então, abolir o Estado, e não reformá-lo. Não se confunda a noção de Estado – coisa acidental (em sua forma moderna surgiu na Europa no século XVI) – com Sociedade – coisa permanente.
Querem também abolir o governo, entendido como “um poder colocado muito acima da sociedade e também uma concentração territorial e uma concentração de muitas funções da vida das sociedades nas mãos de alguns indivíduos”.
“…o início da humanidade não foi a família, mas sim o clã, a tribo.”
No livro Kropotkin faz uma análise da caminhada histórica da humanidade, iniciando na vida em clãs e tribos, passando pela comuna rural, pelas cidades livres até o advento do Estado.
Neste trajeto, é narrada uma História diferente da que nos foi apresentada na Escola e na Universidade, que Kropotkin deixa claro são instrumentos deste próprio Estado para nos fazer crer que todos mecanismos que levaram à sua formação e agora à sua manutenção são e sempre foram, louváveis e corretos.
Kropotkin aborda com algum detalhe a vida nas cidades livres no século XII na Europa e a subseqüente usurpação da igualdade e da liberdade à medida que o homem, pelo acúmulo de riquezas, ganância e associação com outros ricos passou a explorar o próprio homem, culminando, no século XVI, com a formação do Estado Moderno.
“Com estes elementos – a liberdade, a organização do simples para o composto, a produção e a troca pelos grêmios (as guildas), o comércio com o estrangeiro efetuado pela cidade inteira e não por particulares, assim como a compra de provisões para vendê-las aos cidadãos pelo mesmo preço, isto é, sem lucro algum; – com estes elementos, repito, as cidades da Idade Média transformaram-se, durante os dois primeiros séculos da sua vida livre, em centros de bem-estar para os seus habitantes, em centros de opulência e de civilização como jamais se tinha visto.
Consultem-se os documentos que permitem estabelecer a tarifa da remuneração do trabalho – Rogers estabeleceu essa tarifa para a Inglaterra; e um grande número de escritores alemães estabeleceu-a para a Alemanha – e ver-se-á que o trabalho do artista, e mesmo o do simples jornaleiro, eram remunerados, naquela época, por uma tarifa que ainda não alcançaram, nos nossos dias, os melhores e mais hábeis dos nossos operários. (…)
Examinemos, por fim, os donativos oferecidos às igrejas e às casas públicas da paróquia, da guilda ou da cidade, donativos constituídos por obras de arte, por esculturas, por metais forjados ou fundidos, ou mesmo em dinheiro, e compreender-se-á o grau de bem-estar que existia no seio destas cidades. Ao mesmo tempom conceber-se-á facilmente o espírito de investigação e de iniciativa que caracterizava aqueles homens, o sopro de liberdade que inspirava suas obras, o sentimento de solidariedade e de fraternidade que residia naqueles grêmios, ou guildas, onde os indivíduos de um mesmo ofício estavam unidos, não apenas pelo lado mercantilista ou técnico da profissão, mas também pelos laços da mais franca sociabilidade e da mais pura fraternidade.”
Kropotkin, sobre a afirmativa de Léo e Botta (“Uma comuna não representa a imagem de um todo moral, não se mostra universal na sua maneira de ser, como o espírito humano, senão quando admite no seu seio o conflito e a oposição”) acrescenta que o conflito livremente debatido, sem que um poder exterior, como o Estado, intervenha, é não somente necessário como também desejado. Como os autores, pensa ele que acerca da intervenção do Estado nos conflitos “amiúde se causa maiores males impondo a paz, visto que, deste modo, querendo criar-se uma ordem política geral, aliam-se causas contrárias, sacrificando individualidades e pequenos organismos, para absorvê-los num vasto corpo sem cor e sem vida”.
“Na comuna, a luta era pela conquista e pela manutenção da liberdade do indivíduo, pelo triunfo do princípio federativo, pelo direito de se unirem para a ação – enquanto que as guerras dos Estados tinham, e têm, por objetivo anular estas liberdades, submeter o indivíduo, aniquilar a livre iniciativa, jungir os homens a uma mesma servidão perante o rei, o juiz, o sacerdote e o Estado. É neste ponto que reside toda a diferença: há as lutas e os conflitos que matam; e há as lutas e os conflitos que impulsionam a humanidade pelos verdadeiros caminhos do progresso.”
“Enfim: o que é pior em tudo quanto acabo de enumerar, é que a educação que todos nós recebemos na escola do Estado – na chamada escola oficial – vicia de tal modo os nossos cérebros que a própria noção de liberdade acaba por se extraviar, por se converter em servidão. Triste espetáculo é o de ver aqueles que se julgam revolucionários consagrar o mais profundo ódio aos anarquistas – só porque as concepções dos anarquistas sobre a liberdade ultrapassam as concepções mesquinhas e estreitas que eles têm sobre o assunto, concepções essas que eles adquiriram na escola oficial do Estado! (…) É que o espírito de servidão voluntária foi sempre cultivado habilmente nos cérebros juvenis; e, atualmente, ainda se segue a mesma norma, para perpetuar a submissão do indivíduo ao Estado.”
“Nós vemos no Estado uma instituição desenvolvida através da história das sociedade humanas para impedir a união direta entre os homens, para entravar o desenvolvimento da iniciativa local e individual, para aniquilar as liberdades que existiam, para impedir a sua nova eclosão e para submeter as massas aos interesses, egoísmos e ambições das minorias ociosas e autoritárias.”