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Da série: Diálogos com Deus – Deus e Maria no almoço

– Passa o sal.

– Com ferro de passar ?

– Deixa de ser boba! Me alcance o sal!

– Como se diz?

– Como assim, como se diz?

– Qual é a palavrinha mágica?

– Abracadabra!

– Não! Agora é você quem está bancando o bobo! Que palavra mágica se usa quando pedimos um favor?

– Hum… – Deus pára, pensativo.

– Vamos lá! Não é tão difícil assim! – estimula Maria.

– Já sei! Por favor!

– Muito bem! Tome aí o sal! Mas não vai exagerar que sua pressão já anda meio alta, ouviu?

Excertos e comentários do livro Transparências da eternidade, de Rubem Alves (parte II de III)

“A alegria é um pássaro que só vem quando quer. Ela é livre. O máximo que podemos fazer é quebrar todas as gaiolas e cantar uma canção de amor, na esperança de que ela nos ouça. Oração é o nome que se dá a esta canção para invocar a alegria. Muitas orações são produtos da insensatez das pessoas. Acham que o universo estaria melhor se Deus ouvisse os seus conselhos. Pedem que Deus lhes dê pássaros engaiolados, muitos pássaros. Nisso protestantes e católicos são iguais. Tagarelam. E nem se dão ao trabalho de ouvir. Não sabem que a oração é só um gemido. “Suspiro da criatura oprimida”: haverá definição mais bonita? São palavras de Marx. Suspiro: gemido sem palavras que espera ouvir a música divina, a música que, se ouvida, nos traria a alegria” – diz Rubem Alves.

Rubem questiona o tipo de promessas que as pessoas fazem: autoflagelam-se com chicotes, carregam pedras, sobem escadas de joelhos, arrastam cruzes, ficam sem comer, não tomam cerveja por 1 mês, não transam ou se masturbam por um período determinado. Deus só aceitaria “presentes” assim se fosse um grande sádico, um ser monstruoso que fica feliz quando sofremos.

Propõe-se que Deus sofre quando sofremos e dá risada quando rimos. Usando suas palavras devemos fazer promessas do tipo “vou comprar uma cachorrinha cocker spaniel, vou gastar tempo observando o vôo dos pássaros, a forma das nuvens, a folhagem das árvores. Vou fugir do agito, do ruído, da confusão. Vou ver novamente o carteiro e o poeta. Vou cultivar a solidão e o silêncio. Vou fazer um jardim zen. Vou ouvir música. Vou ler Fernando Pessoa. Vou aprender a cozinhar. Vou receber os amigos. Vou brincar com coisas e pessoas.”

Rubem diz que ama a Igreja: nela, tudo aquilo que saiu da mão dos artistas. Entretanto, quando ouve as explicações de teólogos ou mestres quebra-se o encanto e ele diz que gostaria que tivessem falado em latim para que não houvesse compreendido as palavras da Igreja.

Na seção “Sobre a salvação de minha alma”, R. A. critica a “Fé compartimentalizada”. Como estudioso da Bíblia, cita trechos colocados de lado, como se não fizessem parte das escrituras sagradas. Alguns exemplos de trechos silenciados: “Amada minha, em tua língua há mel e leite (…) Teus seios são como duas crias gêmeas de gazela” (Ct 4,11.5) e “Anda, come teu pão com alegria e bebe contente o teu vinho… Goza a vida com a mulher que amas todos os dias da tua vida” (Ecl 9,7.9)

Lembra ainda que Jesus disse aos fariseus que, antes deles entrarem nos céus, entram as meretrizes; entram também os hipócritas e tudo o mais que Deus criou.

Questiona a imutabilidade da Igreja. Imutabilidade que não existe em lugar algum na Natureza por deus criada. Com suas palavras: “Entre a semente e a pedra, reafirmaram a pedra. Os bambus estão proibidos de florir, Para que florir? É desnecessário. A Igreja possui a verdade toda. Não precisa dos outros. Proibido está o jogo de trocar sementes. Diálogo, só para que os outros sejam convertidos à sua verdade. Por que ouvir o outro, se possuo a verdade toda? Por que permitir que o outro fale, se aquilo que ele fala só pode ser mentira? Todos os que pretendem possuir a verdade estão condenados a ser inquisidores. Assim, sobre todas as sementes se coloca a maldição do silêncio, obsequioso…”

Sistema de cotas nas universidades brasileiras: solução ou vergonha?

Vivemos no Brasil um momento-chave para a educação no nível terciário, que compreende as Universidades.

Ao mesmo tempo em que são feitos projetos que visam utilizar vagas ociosas de Universidades particulares através da isenção de impostos “- altamente elogiáveis – existe um outro projeto de cunho absurdamente racista: determinação de cotas (reserva de vagas) para negros.

Tenta-se justificar tal atitude pelas dificuldades históricas impetradas aos negros neste país, desde a época da escravização até seqüelas que permanecem até hoje como a menor valorização do trabalho quando comparado ao trabalho de “brancos”, por exemplo. Essa menor valorização associada talvez a uma maior dificuldade de conseguir trabalho (devido a uma discriminação velada) levam a uma menor condição socio-econômica média, que resulta em maior dificuldade de acesso e manutenção da educação tanto em escolas públicas quanto privadas – estas últimas consideradas melhores e mais aptas à preparação para o concurso vestibular.

O acesso a uma educação menos privilegiada nas etapas anteriores, levam então a um menor acesso às Universidades federais gratuitas, onerando justamente as famílias que teoricamente teriam menos condições para manter um filho em uma instituição particular.

Concorda-se com toda esta problemática, mas não com a solução oferecida.

Não deveriam ser os negros a receber tal benefício, pois trata-se de racismo puro. Por que então índios não tem o mesmo benefício assegurado? E por quê os “amarelos” não têm a mesma vantagem? Vagas para italianos? Alemães? Judeus? Russos? Nem pensar…

Se vagas devem ser reservadas nas Universidades públicas, que sejam então para quem tem menos condições socio-econômicas. Esses sim, brancos ou negros, com barreiras enormes para uma educação adequada a nível terciário.

O que impede o acesso à Universidade pública é o menor conhecimento no momento da realização do concurso vestibular. Teria um negro de família abastada, que estudou em colégio particular, mais direito à vaga que um branco que teve de trabalhar desde os 12 anos para ajudar sua família e estudou, mal e porcamente sem alimentação ou acesso a livros, em colégio público?

E como definir um negro? Pela cor da pele? Existirão métodos colorimétricos confiáveis para tanto? Pelo sobrenome? Pela origem de seus antepassados? E com que grau de parentesco podemos dizer que alguém é negro? Se a mãe do avô materno for a única pessoa negra na genealogia da família, podemos considerar esta pessoa negra? E o que dizer da moça de pele alva, olhos azuis e portadora de anemia falciforme, exclusividade de pessoas de ancestralidade negra?

Os problemas não se encerram por aqui. Tudo que se propõe é uma melhor análise da legalidade e das conseqüências do sistema de cotas, impostos desta maneira absolutamente discriminatória no mau sentido da palavra.

Abordagens alternativas do problema, valorizando o nível socio-econômico em detrimento da questão racial são louváveis e devem ser detalhadamente verificadas. Até lá, vamos deixar esta idéia de molho mais um pouco, para amaciá-la e deixá-la no ponto para exercer seus efeitos na direção certa (bom se soubéssemos qual é esta direção…).

Notícias do Front

Antes de tudo preciso fazer uma breve introdução a esta nova coluna semanal do Simplicíssimo. Em primeiro lugar, como Editor desta joça, me auto-afirmo no direito de manter escritos sobre todo e qualquer assunto, mesmo sobre assuntos áridos e de pouco interesse como minhas experiências (reais) durante a prestação do Serviço Militar Obrigatório no 7º Batalhão de Infantaria Blindado (7º BIB) em Santa Maria, Estado do Rio Grande do Sul; em segundo lugar, mesmo estando ciente das pauladas que provavelmente receberei nos comentários e também dos Ombudsmen (ou pior, sua indiferença), quem está na chuva é para se molhar ou não chegar atrasado a algum lugar e não deve ser pior do que as idas a campo no exército; em terceiro lugar, não pretendo falar exclusivamente do serviço militar mas tratarei de entremear meus esforços militares com minhas leituras e apimentar a discussão com conclusões estapafúrdias e totalmente descontroladas. Esta coluna tem data para terminar – próximo de 12 de abril, fim do Estágio de Adaptação ao Serviço, após o qual começo a trabalhar como médico militar, pelo período mínimo de 1 ano, prorrogável à minha vontade até 8 anos..

De pronto, vamos ao que interessa:

25/02/04 – saí de Porto Alegre às 8:00, levando guitarra, pedaleira, revistas de guitarra e fotografia, roupas, 5 livros (Edgar Morin – O Método 1 e 2, Rubem Alves – Transparências da Eternidade e As Cores do Crepúsculo – A estética do envelhecer e George Woodcock – Anarquismo – Uma história das idéias e movimentos libertários) além de uma bola de basquete e muita boa vontade.

Almoçamos no apartamento de minha namorada Carol, que mora e estuda em Santa Maria. Às 13:00 me apresentei no 29º BIB. A apresentação foi tranqüila. Fomos orientados acerca dos procedimentos pelo Tenente Lima, pelo Capitão Agostinho e pelo Coronel Mendes.

De cara, ficamos sabendo da história do aspirante a oficial médico que, noa no anterior, desdenhou as atividades de orientação em campo com bússola e fez toda sua equipe passar a noite (e madrugada) inteira tentando se localizar em uma tarefa digna do Rambo.

Confirmei a informação de que, após os 45 dias de treinamento, trabalharei como Endocrinologista no Hospital de Guarnição (HGU) de Santa Maria, das 7:00 às 13:00, sem plantões clínicos a fazer, exceto ocasionais sobreavisos.

Recebemos a lista do Uniforme a comprar. Dezesseis itens! Fomos dispensados às 15:17 com retorno previsto para amanhã às 8:30.

26/02/04 – Hoje recebemos a notícia de que seríamos transferidos para o 7º Batalhão de Infantaria Blindado (7º BIB), unidade mais moderna e apta para nosso treinamento no EAS (Estágio de Adaptação da Saúde). Lá fomos apresentados ao novo responsável pelo nosso treinamento, o Capitão Cláudio. Nos foi mostrado nosso alojamento e armários e escolhido nosso nome de guerra. O meu será Aspirante Reinehr, e, ao terminar o treinamento daqui a 40 dias, tenente Reinehr. Feita a inspeção de saúde, foi muito engraçado ver um de nossos colegas “não-voluntários” mancando “artificialmente” nos últimos dois dias, para aumentar suas chances de dispensa. O colega tem realmente uma fratura prévia no pé, mas já estava sem dor ou dificuldade de movimentação, mas pensou que seria mais convincente se encenasse uma situação de maior sofrimento.

Fomos liberados ao meio-dia. À tarde, fui comprar o fardamento: camiseta e gandola camufladas, camiseta branca e calção para educação física, tênis preto para exercícios, gorro, boina verde e acessórios diversos.

Comecei hoje a fazer uma relação de prejuízos financeiros decorrentes da prestação do Serviço Militar, chamada legalmente de lucros cessantes, para registro e posterior “avaliação e tentativa de minimização de danos”.

27/02/04 – Mais um dia de burocracia. Passamos a manhã inteira sentados em uma sala, recebendo orientações sobre como utilizar nossa roupa e entregando documentação. M-nhã perdida, por assim dizer. À tarde, novamente liberados, com previsão de retorno na Segunda-feira, dia 01/03 às 7:00 para tomarmos café com o capitão. Fim de semana: Agudo, minha cidade natal.

PRÓXIMOS PÔUSTS: Da série: Diálogos com Deus – Jesus e o Rock n’ Roll, Excertos e comentários do livro Transparências da eternidade, de Rubem Alves (parte II de III), Notícias do Front

Rafael Reinehr é médico endocrinologista, anarquista, escritor, permacultor, ativista oikos-socio-ambiental e polímata ma non troppo.

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