Desescolarização
Apontamentos Anarquistas

Ivan Illich – Sociedade Desescolarizada

Porque devemos desinstalar a Escola

Muitos estudantes, especialmente os mais pobres, percebem intuitivamente o que a escola faz por eles. Ela os escolariza para confundir processo com substância. Alcançado isto, uma nova lógica entra em jogo: quanto mais longa a escolaridade, melhores os resultados; ou, então, a graduação leva ao sucesso. O aluno é, desse modo, “escolarizado” a confundir ensino com aprendizagem, obtenção de graus com educação, diploma com competência, fluência no falar com capacidade de dizer algo novo. Sua imaginação é “ escolarizada” a aceitar serviço em vez de valor. Identifica erroneamente cuidar da saúde com tratamento médico, melhoria de vida comunitária com assistência social, segurança com proteção policial, segurança nacional com aparato militar, trabalho produtivo com concorrência desleal. Saúde, aprendizagem, dignidade, independência e faculdade criativa são definidas como sendo um pouquinho mais que o produto das instituições que dizem servir a esses fins; e sua promoção está em conceder maiores recursos para a administração de hospitais, escolas e outras instituições semelhantes.
Nesses ensaios quero mostrar que a institucionalização de valores leva inevitavelmente à poluição física, à polarização social e à impotência psíquica: três dimensões de um processo de degradação global e miséria modernizada. Explicarei como este processo de degradação se acelera quando necessidades não materiais são transformadas em demandas por mercadorias; quando saúde, educação, mobilidade pessoal, bem-estar, recuperação psicológica são definidos como resultados de serviços ou “tratamentos”. Faço isso porque tenho a impressão de que a maioria das pesquisas realizadas atualmente sobre o futuro tendem a pleitear maior incremento na institucionalização de valores e porque acho que devemos definir condições que permitam acontecer exatamente o contrário. Necessitamos de pesquisas sobre a possibilidade de usar a tecnologia para criar instituições que sirvam à interação pessoal, criativa e autônoma e que façam emergir valores não possíveis de controle substancial pelos tecnocratas.

A confiança no tratamento institucional torna suspeita toda e qualquer realização independente.

Qualquer simples necessidade, para a qual foi encontrada resposta institucional, permite a invenção de nova classe de pobres e nova definição de pobreza. No México, há dez anos atrás, era normal nascer e morrer em sua própria casa e ser enterrado pelos amigos. Apenas os cuidados pela alma eram assumidos pela igreja institucional. Agora, começar ou terminar a vida em casa é sinal de pobreza ou especial privilégio. Agonia e morte passaram à administração institucional de médicos e agências funerárias.
Tendo uma sociedade transformado as necessidades básicas em demandas por mercadorias cientificamente produzidas, define-se a pobreza por padrões que os tecnocratas podem mudar a bel-prazer. A pobreza se aplica àqueles que ficaram aquém de algum ideal de consumo propagandizado. No México, pobres são os que não frequentaram três anos de escola; em Nova York, os que não frequentaram doze.

A igualdade de oportunidades na educação é meta desejável e realizável, mas confundi-la com obrigatoriedade escolar é confundir salvação com igreja. A escola tornou-se a religião universal do proletariado modernizado, e faz promessas férteis de salvação aos pobres da era tecnológica. O Estado-nação adotou-a, moldando todos os cidadãos num currículo hierarquizado, à base de diplomas sucessivos, algo parecido com os ritos de iniciação e promoções hieráticas de outrora. O Estado moderno assumiu a obrigação de impor os ditames de seus educadores por meio de inspetores bem intencionados e de exigências empregatícias; mais ou menos como fizeram os reis espanhóis que impunham os ditames de seus teólogos pelos conquistadores e pela Inquisição.

O primeiro artigo dos Direitos (bill of rights) de uma sociedade moderna e humanística correponderia à primeira emenda à Constituição dos Estados Unidos: “O Estado não fará leis para regulamentar a educação”. Não haverá obrigatoriedade ritual para todos.
Para isto, precisamos de uma lei que proíba toda discriminação na contratação empregatícia, nas eleições, na admissão a centros de aprendizagem baseados na prévia frequência a determinado curso. Isto não excluiria a aplicação de testes de qualificação para o exercício de algum papel ou função, mas eliminaria a absurda discriminação atual em favor das pessoas que obtiveram determinada habilidade às custas de maiores somas do erário público, ou – caso bastante semelhante – que conseguiram um diploma que não tem relação nenhuma com qualquer emprego ou trabalho concreto. Somente resguardando as pessoas de serem desqualificadas por qualquer coisa em sua carreira escolar, pode a abolição constitucional da escola tornar-se psicologicamente efetiva.

Instrução é a escolha de circunstâncias que facilitam a aprendizagem. A atribuição de funções exige uma série de condições que o candidato deve preencher se quiser atingir o posto. A escola fornece instrução, mas não aprendizagem para essas funções. Isto não é nem razoável, nem libertador. Não é razoável porque não vincula as qualidades relevantes ou competências com as funções, mas apenas o processo pelo qual se supõe sejam tais qualidades adquiridas. Não é libertador ou educacional porque a escola reserva a instrução para aqueles cujos passos na aprendizagem se ajustam a medidas previamente aprovadas de controle social.

Para separar competência de currículo, as investigações sobre o histórico da escolaridade de uma pesspa deveriam ser proibidas, da mesma forma como o são sobre o credo político, frequência à igreja, linhagem, hábitos sexuais ou “background” racial. Leis devem ser promulgadas que proíbam a discriminação baseada na escolaridade prévia. Obviamente, as leis não podem acabar com os preconceitos contra os não-escolarizados, nem podem forçar alguém a se casar com um autodidata, mas podem desencorajar a discriminação injustificada.

Em certos casos, a admissão a um programa de aprendizagem que vise determinada habilidade pode pressupor competência em outra habilidade, mas não deverá jamais depender do processo pelo qual tais habilidades pressupostas foram adquiridas. Consertar um aparelho de televisão pressupõe saber ler a alguma matemática; mergulhar exige saber nadar: dirigir carro, bem pouco de ambos.

Já agora, poderia ser providenciado um sistema de crédito educacional em todo e qualquer centro de capacitação, com quantias limitadas, para pessoas de todas as idades, e não apenas para os pobres. Eu imagino este crédito sob a forma de um passaporte educacional ou uma “carteira edu-crédito”, entregue a cada cidadão ao nascer Para favorecer os pobres que provavelmente não usariam cedo seus subsídios anuais, poderia haver uma cláusula dispondo que haveria certas vantagens para os usuários tardios dos “direitos” acumulados. Esses créditos vão permitir que a maioria das pessoas adquiram as habilidades mais demandadas quando quiserem, melhor, mais rapidamente, com menor custo e com menos efeitos colaterais indesejáveis do que na escola.
Já não faltarão por muito tempo professores potenciais de habilidades porque, por um lado, a demanda por uma habilidade se desenvolve com sua prática dentro de uma comunidade e, por outro, uma pessoa exercendo determinada habilidade também poderia ensiná-la. Mas, atualmente, os que exercem habilidades que estão em demanda e que exigem um professor humano são desencorajados a partilharem essas habilidades com outros. Isso é feito por professores que monopolizam os registros de ensino ou por sindicatos que protegem seus interesses de classe. Centros de habilidades que fossem julgados pelos fregueses não pelas pessoas que empregam ou pelo processo usado, mas pelos resultados, abririam insuspeitas oportunidades de trabalho, muitas vezes até mesmo para aqueles considerados, agora, inimpregáveis. Não há razão para que tais centros não possam estar no próprio local de trabalho, onde o empregador e sua força de trabalho fornecessem instrução, bem como empregos, para aqueles que escolhessem usar seus créditos educacionais desta maneira.

Os instrutores tornam-se escassos por causa da crença no valor dos registros. O certificado constitui uma forma de manipulação mercadológica e é plausível apenas a uma mente escolarizada. A maioria dos professores de artes e comércio são menos hábeis, menos inventivos e menos comunicativos que os melhores artesãos e comerciantes. A maioria dos professores de espanhol e francês que lecionam no secundário não falam a língua tão bem quanto seus alunos fariam depois de meio ano de adequado treinamento. Experiências feitas por Angel Quintero, em Porto Rico, mostram que muitos adolescentes, se tiverem incentivos adequados, programas e acesso a instrumentos, são muito mais eficientes para introduzir seus colegas nas explorações científicas das plantas, estrelas, matéria e na descoberta de como e por que um motor ou rádio funciona do que a maioria dos professores escolares.

A maior parte das habilidades são adquiridas e aperfeiçoadas por exercícios práticos, porque implica o domínio de um proceder definido e previsto. O ensino de habilidades pode basear-se, por isso, na simulação de circunstâncias em que será usada. Mas a educação do uso das habilidades inventivas não pode basear-se em exercícios práticos. A educação pode ser o resultado de uma instrução, mas de um tipo de instrução totalmente distinta do treino prático. Deriva de uma relação entre colegas que já possuem algumas das chaves que dão acesso à informação memorizada e acumulada na e pela comunidade. Baseia-se no esforço crítico de todos os que usam estas memórias criativamente. Baseia-se na surpresa da pergunta inesperada que abre novas portas para o pesquisador e seu colega.

O professor brasileiro Paulo Freire descobriu que qualquer pessoa adulta pode começar a ler em questão de 40 horas, se as primeiras palavras que decifrar estiverem carregadas de significado para ela. Paulo Freire faz com que os “alfabetizadores” se desloquem para algum lugarejo e descubram palavras que traduzam assuntos importantes e atuais, como sejam, o acesso a algum açude ou as dívidas para com o patrão. À noite, os moradores se reúnem para discutir essas palavras-chave. Começam a perceber que cada palavra permanece no quadro-negro mesmo depois que o som dela haja desaparecido. As letras continuam a revelar a realidade e a torná-la manejável como um problema. Constatei muitas vezes como os participantes dessas discussões cresciam em consciência social enquanto aprendiam a ler e a escrever. Parecia que tomavam a realidade em suas mãos quando a escreviam no papel.

A mais radical alternativa para a escola seria uma rede ou um sistema de serviços que desse a cada homem a mesma oportunidade de partilhar seus interesses com outros motivados pelos mesmos interesses.
Para esclarecer, tomemos um exemplo: como poderia funcionar um encontro intelectual em Nova York. Qualquer pessoa, em qualquer momento e por um preço mínimo, poderia identificar-se em um computador dando-lhe endereço, número de telefone e indicando o livro, artigo, filme ou gravação sobre os quais gostaria de discutir com um parceiro qualquer. Dentro de poucos dias poderia receber pelo correio uma lista de outras pessoas que, recentemente, tomaram a mesma iniciativa. Com esta lista, poderia combinar, por telefone, um encontro com pessoas que, a princípio, se tornariam conhecidas apenas pelo fato de terem procurado um diálogo sobre o mesmo assunto.

(base das redes sociais atuais)

A ritualização do progresso

Conquanto manifeste solidariedade com o Terceiro Mundo, qualquer americano formado por uma Universidade custou cinco vezes mais que a receita vital média da metade da humanidade.

Para a maioria que busca primordialmente um título, a universidade não perdeu prestígio, mas desde 1968, perdeu a consideração de muitos que nela acreditavam. Os estudantes se recusam a preparar-se para a guerra, para a poluição e a perpetuação dos preconceitos. Os professores os apoiam em suas reinvindicações em desafio à legitimidade do governo, sua política externa, educação e a maneira americana de viver. São muitos os que recusam os títulos escolares e se preparam para uma vida na contracultura, fora dessa sociedade de diplomados. Parece que escolheram o caminho dos fraticelli e alumbrados da Reforma – os hippies e os dropouts de seu tempo. Outros reconhecem o monopólio das escolas sobre os recursos de que precisam para formar um contra-sociedade. Buscam apoio entre si para viver com integridade enquanto se submetem ao ritual acadêmico. Constituem, por assim dizer, focos de heresia, no seio mesmo da hierarquia.
Grande parte da população, no entanto, observa alarmada os modernos místicos e os modernos heresiarcas. Eles ameaçam a economia de consumo, o privilégio democrático e a auto-imagem da América. Mas não é possível eliminá-los. Alguns podem ser reconvertidos pacientemente ou sutilmente eleitos para um cargo, por exemplo, dando-lhes oportunidade para que ensinem sua heresia.

O sistema escolar hoje, e sobretudo a universidade, oferece grande oportunidade para criticar o mito e para rebelar-se contra suas perversões institucionais. Mas o rito que exige tolerância das fundamentais contradições entre mito e instituição ainda permanece inquestionável, pois nem a crítica ideológica e nem a ação social podem fazer surgir uma nova sociedade. Unicamente o desengano seguido de uma ruptura com o rito social central e a reforma desse rito pode trazer mudanças radicais.

Não podemos iniciar uma reforma educacional sem antes compreender que nem a aprendizagem individual e nem a igualdade social podem ser incrementadas pelo rito escolar. Não podemos superar a sociedade de consumo sem antes compreender que a escola pública obrigatória recria tal sociedade, não importando o que nela seja ensinado.

O mito dos valores institucionalizados

A escola nos inicia também no Mito do Consumo Interminável. Este mito moderno se fundamenta na crença de que o processo produz, inevitavelmente, algo de valor e, por isso, a produção necessariamente cria a demanda. A escola nos ensina que a instrução produz aprendizagem. A existência de escolas produz a demanda pela escolarização. Uma vez que aprendemos a necessitar da escola, todas as nossas atividades vão assumir a forma de relações de clientes com outras instituições especializadas. Uma vez que o autodidata foi desacreditado, toda atividade não profissional será suspeita. Aprendemos na escola que toda aprendizagem profícua é resultado da frequência, que o valor da aprendizagem aumenta com a quantidade de insumo (input) e, finalmente, que este valor pode ser mensurado e documentado por títulos e certificados.
Na realidade, a aprendizagem é a atividade humana menos necessitada de manipulação por outros. Sua maior parte não é resultado da instrução. É, antes, resultado de participação aberta em situações significativas. A maioria das pessoas aprende melhor estando “por dentro”; mas a escola faz com que identifiquemos nosso crescimento pessoal e cognoscitivo com o refinado planejamento e manipulação.

O mito da mensuração de valores

O crescimento pessoal não é coisa mensurável. É crescimento em discordância disciplinada que não pode ser medido nem pelo metro nem por um currículo, nem mesmo comparando com as realizações de qualquer outra pessoa. Neste tipo de aprendizagem pode alguém rivalizar com os outros apenas em esforço imaginativo, seguir seus passos, mas nunca imitar seu procedimento. A aprendizagem que eu prezo é recriação imensurável.
A escola pretende fragmentar a aprendizagem em “matérias”, construir dentro do aluno um currículo feito desses blocos pré-fabricados e avaliar o resultado em âmbito internacional. As pessoas que se submetem ao padrão dos outros para medir seu crescimento pessoal próprio, cedo aplicarão a mesma pauta a si próprios. Não mais precisarão ser colocadas em seu lugar, elas mesmas se colocarão nos cantinhos indicados; tanto se expremerão até caberem no nicho que lhes foi ensinado a procurar e, neste mesmo processo, colocarão seus companheiros também em seus lugares, até que tudo e todos estejam acomodados.
As pessoas que foram escolarizadas até atingirem o tamanho previsto deixam fugir de suas mãos uma experiência incomensurável. Para elas, tudo o que não puder ser medido torna-se secundário, ameaçador. Não é preciso que se lhes roube a criatividade. Sob o jugo da instrução, desaprendem a tomar suas iniciativas e ser elas mesmas. Valorizam apenas o que já foi feito ou o que lhes é permitido fazer.
Quando as pessoas tem escolarizado na cabeça que os valores podem ser produzidos e mensurados, dispõe-se a aceitar qualquer espécie de hierarquização. Há uma escala para o desenvolvimento das nações, outra para a inteligência dos bebês; até mesmo o progresso em prol da paz pode ser calculado pelo número de mortos. Num mundo escolarizado o caminho da felicidade está pavimentado com o índice de consumo.

O mito dos valores empacotados

O resultado do processo de produção curricular assemelha-se ao de qualquer outro processo mercadológico moderno. É uma embalagem de significados planejados, um pacote de valores, um bem de consumo cuja “propaganda dirigida” faz com que se torne vendável a um número suficientemente grande de pessoas para justificar o custo de produção. Ensina-se aos alunos consumidores que adaptem seus desejos aos valores à venda. São levados a sentirem-se culpados caso não ajam de acordo com as predições da pesquisa de consumo, recebendo graus e certificados que os colocarão na categoria de trabalho pela qual foram motivados a esperar.

A nova alienação

A escola não é apenas a nova religião do mundo. É também o mercado de trabalho de mais rápido crescimento no mundo inteiro. A engenharia dos consumidores tornou-se o principal setor de crescimento da economia. Enquanto decrescem, nos países ricos, os custos de produção, há uma crescente concentração de capital e trabalho na grande empresa de habilitar o homem para o consumo disciplinado.

O potencial revolucionário da desescolarização

A dissonância que caracteriza muitos jovens de hoje não é tanto de ordem cognoscitiva, mas de ordem de atitudes – um sentimento nítido sobre aquilo a que uma sociedade tolerável não se pode assemelhar. O supreendente dessa dissonância é a capacidade de um grande número de pessoas de tolerá-la.
A capacidade de perseguir metas incongruentes requer uma explicação. Segundo Max Gluckman, todas as sociedades possuem determinados recursos para esconder essas dissonâncias de seus membros. Sugere ele que é esta a finalidade dos ritos. Os ritos podem esconder de seus participantes até mesmo discrepâncias e conflitos entre os princípios sociais e a organização social. Enquanto o indivíduo não estiver explicitamente consciente do caráter ritual do processo pelo qual foi iniciado às forças que modelam seu cosmos, não poderá quebrar o encanto e criar a imagem de um novo cosmos. Enquanto não estivermos conscientes do rito pelo qual a escola modela o progressivo consumidor – o principal recurso da economia – não poderemos quebrar o encanto dessa economia e formar uma nova.

O espectro institucional

Todos os planejadores futuristas de nossos dias procuram tornar economicamente possível o que é tecnicamente possível, enquanto recusam encarar a inevitável consequência social: um desejo sempre mais intenso de todos homens pelos bens e serviços que permanecerão sendo privilégio de uns poucos.
Creio que o futuro promissor dependerá de nossa deliberada escolha de uma vida de ação em vez de uma vida de consumo; do nossa capacidade de engendrar um estilo de vida que nos capacitará a sermos espontâneos, independentes, ainda que inter-relacionados, em vez de mantermos um estilo de vida que apenas nos permite fazer e desfazer, produzir e consumir – um estilo de vida que é simplesmente uma pequena estação no caminho para o esgotamento e a poluição do meio-ambiente. O futuro depende mais da nossa escolha de instituições que incentivem uma vida de ação do que do nosso desenvolvimento de novas ideologias e tecnologias. Precisamos de um conjunto de critérios que nos permitirá reconhecer aquelas instituições que favorecem o crescimento pessoal em vez de simples acréscimos. Precisamos também ter a vontade de investir nossos recursos tecnológicos de preferencia nessas instituições promotoras do crescimento pessoal.

Seria uma escolha entre viver atrelado às atuais “instituições manipulativas” ou escolher viver entre as assim chamadas “instituições conviviais”.

Segundo Ivan Illich, há um espectro que separa as diferentes instituições ou serviços por elas prestados. À esquerda, o serviço é uma oportunidade ampliada dentro de limites definidos, enquanto o cliente permanece um agente livre. As instituições à direita são geralmente processos de produção complexos e dispendiosos em que a maioria do esforço e gastos são feitos para convencer o consumidor de que não pode viver sem o produto ou o tratamento oferecido pela instituição. As instituições de esquerda tendem a ser redes que facilitam a comunicação ou cooperação dos clientes que tomam a iniciativa. Do lado direito do espectro, há a tendência de se prescrever doses cada vez maiores de tratamento quando as menores quantidades não conseguem os resultados almejados. As instituições à direita, como podemos observar claramente no caso das escolas, convidam compulsivamente ao uso repetido e frustram as alternativas de obter resultados semelhantes.
Aproximando-se do lado esquerdo, mas sem estarem ainda à esquerda do espectro institucional, podemos encontrar empresas que rivalizam com outras do mesmo campo, sem, no entanto, darem muita importância à propaganda. É o caso das lavanderias, pequenas padarias, cabeleireiros e – para falar de profissionais – alguns advogados e professores de música. À esquerda do centro estão as pessoas estabelecidas por conta própria que institucionalizaram seus serviços mas não sua publicidade. Atraem os clientes por contato pessoal e pela qualidade de seus serviços.

Os produtores de gêneros de primeira necessidade e dos bens perecíveis pertencem ao centro do nosso espectro. Satisfazem à demanda geral e acrescentam ao custo de produção e distribuição, tanto quanto o mercado suporta, custos de propaganda, seja publicidade ou embalagem especial. Quanto mais básico o produto – bens ou serviços – tanto mais a competição tende a limitar os custos de venda do artigo.
A maioria dos fabricantes de bens de consumo deslocou-se mais para a direita. Direta ou indiretamente, produzem demandas por acessórios que elevam o preço real de compra bem acima do custo de produção. A General Motors e a Ford produzem meios de transporte, mas também – o que é mais importante – manipulam o gosto público de tal forma que a necessidade de transporte vem expressa como demanda por carros particulares e não por ônibus públicos. Vendem o desejo de dirigir um automóvel, de correr em alta velocidade em confortável luxo, ao mesmo tempo em que oferecem a fantasia ao final da estrada. O que vendem, no entanto, não são apenas carros com motores desnecessariamente grandes, artefatos supérfluos, os novos acessórios forçados sobre os produtores por Ralph Nader e pelos charlatães da purificação da atmosfera. A lista de preços inclui máquinas envenenadas, ar condicionado, cintos de segurança e dispositivos contra a poluição. Além disso há outros custos não mencionados abertamente ao motorista: as despesas de publicidade e vendas da corporação, combustível, manutenção e peças, seguro, interesse sobre o crédito e outros custos menos perceptíveis como perda de tempo, perda de paciência e perda de ar respirável em nossas cidades congestionadas.

Falsos serviços públicos

O sistema de rodovias é uma rede que prevê a locomoção por percursos relativamente longos. Na qualidade de rede, parece pertencer à esquerda do espectro institucional. Mas aqui é preciso fazer uma distinção que esclarecerá tanto a natureza das rodovias quanto a natureza dos verdadeiros serviços públicos. As estradas que servem a todos os propósitos são verdadeiros serviços públicos. As rodovias são conservações privadas, cujo custo foi parcialmente jogado sobre o público.
O sistema de rodovias não se torna disponível de igual maneira para quem está aprendendo a dirigir. A rede telefônica e postal existe para servir aos que desejam usá-la, ao passo que o sistema de rodovias serve, principalmente, como acessório aos carros particulares. Os primeiros são verdadeiros serviços públicos, enquanto o último é um serviço público para donos de carros, caminhões ou ônibus.

As escolas como falsos serviços públicos

À semelhança das rodovias, a escola dá a impressão, à primeira vista, de estar aberta igualmente a todos os aspirantes. Mas, de fato, esta aberta apenas aos que constantemente renovam suas credenciais. Assim como as rodovias dão a impressão de que seu atual nível de custo por ano é necessário para que as pessoas se possam locomover, assim também as escolas são consideradas essenciais para atingir a competência exigida pela sociedade que usa a moderna tecnologia. Já explicamos que as rodovias são serviços públicos espúrios, frisando o fato de dependerem dos automóveis particulares. As escolas baseiam-se na hipótese, igualmente espúria, de que a aprendizagem é o resultado do ensino curricular.
As rodovias resultam de uma perversão do desejo de locomover-se que se converte em demanda por um carro particular. As próprias escolas pervertem a natural inclinação de crescer e aprender, convertendo-a em demanda pela instrução. A demanda para maturidade manufaturada é uma abnegação bem maior da iniciativa própria do que a demanda por bens manufaturados. As escolas não estão apenas à direita das rodovias e dos carros; elas pertencem ao extremo do espectro institucional, ocupado pelos asilos totalitários. Mesmo os produtores de quantidades de cadáveres matam apenas corpos. A escola, fazendo com que os homens abdiquem da responsabilidade por seu crescimento próprio, leva muitos a uma espécie de suicídio espiritual.

A alternativa radical para ocupar o tempo disponível é um campo limitado de bens mais duradouros e o acesso a instituições que podem aumentar a oportunidade e o proveito da intenção humana.
A economia de bens duráveis é exatamente o contrário de uma economia baseada na obsolecência planejada. Uma economia de bens duráveis significa contenção na lista de bens. Os bens de consumo têm que ser tais que permitam a máxima oportunidade de agir para com eles: artigos que possam ser armados pelo comprador e que possam ser recuperados e reusados pelo mesmo.
O complemento para um catálogo de bens duráveis, reparáveis e reusáveis não significa um aumento dos serviços institucionalmente produzidos, mas uma estrutura institucional que constantemente educa para a ação, participação e auto-ajuda. O movimento de nossa sociedade atual – em que todas as instituições se inclinam para a burocracia pós-industrial – para um futuro de convivialidade pós-industrial – em que a intensidade da ação prevaleceria sobre a produção – deve começar com uma renovação de estilo nas instituições de serviço e, antes de mais nada, com uma renovação na educação. Um futuro possível e promissor depende de nossa vontade de investir o know-how tecnológico no crescimento de instituições conviviais.

Concordâncias irracionais

É fácil encontrar alguns dogmas que ainda não foram questionados. Temos, em primeiro lugar, a difundida opinião de que o comportamento adquirido sob as vistas de um pedagogo é especialmente valioso para o aluno e de particular benefício para a sociedade. Relaciona-se isso com a suposição de que o homem social nasce apenas na adolescência e nasce adequadamente só se amadurecer no útero escolar. Este, alguns o querem acolchoar dando maiores regalias ao aluno, outros o querem encher de artefatos e outros ainda o querem envernizar com uma tradição liberal. Há, finalmente, uma difundida opinião, acerca dos jovens, que é psicologicamente romântica e politicamente conservadora. Segundo esta opinião, as mudanças na sociedade devem ser efetuadas colocando sobre os jovens a responsabilidade de transformá-la – mas só depois de sua eventual soltura da escola. É fácil para uma sociedade baseada em tais crenças erigir um senso de sua responsabilidade pela educação da nova geração e isto, inevitavelmente, significa que algumas pessoas vão fixar, especificar e avaliar as metas pessoais de outros. Numa “passagem de uma enciclopédia imaginária chinesa”, Jorge Luís Borges procura evocar o desvario que tal tentativa deve produzir. Diz que os animais estão divididos nas seguintes categorias: “a) os pertencentes ao imperador, b) os embalsamados, c) os domesticados, d) os leitõezinhos, e) as sereias, f) os mitológicos, g) os cachorros vadios, h) os incluídos na presente classificação, i) os que se tornam loucos, j) os inumeráveis, k) os pintados com um finíssimo pincel de pelo de camelo, l) etc. m) os que recentemente quebraram o jugo, n) os que de longe se parecem com moscas”. Semelhante taxionomia jamais terá vez a não ser que alguém a julgue apropriada para seus intentos: neste caso, suponho que esse alguém seja um coletor de impostos. Para ele, ao menos, essa taxionomia dos animais deve ter sentido, da mesma forma que a taxionomia dos objetivos educacionais tem sentido para os autores científicos.
A visão de um homem com tal inescrutável lógica, autorizado a ter acesso a seu gado, deve causar ao camponês um angustiante senso de impotência. Os estudantes, por razões análogas, tendem a sentir-se paranóicos quando seriamente submetidos a um currículo. Estarão inevitavelmente ainda mais assustados do que meu imaginário camponês chinês, pois são suas metas de vida e não seu gado que estão sendo marcados com um sinal inescrutável.
Este trecho de Borges é fascinante, pois evoca a lógica da concordância irracional que tornou as burocracias de Kafka e Koestler tão sinistras, mas tão representativas de nossos dias. A concordância irracional hipnotiza os cúmplices que se comprometem numa exploração mutuamente convincente e disciplinada. É a lógica gerada pelo comportamento burocrático. E torna-se a lógica de uma sociedade que exige que os administradores de suas instituições educacionais sejam publicamente responsáveis pela modificação comportamental que produzem em seus clientes. Os estudantes que conseguem se motivar para valorizar os pacotes educacionais que seus professores os obrigam a consumir são comparáveis aos chineses que conseguem adaptar seus rebanhos à forma taxionômica descrita por Borges.

Os inovadores educacionais ainda acham que as instituições educacionais funcionam como funis para os programas por eles empacotados. Não afeta minha argumentação se esses funis têm a forma de salas de aula, televisores ou de “território liberado”. Também nada significa se as embalagens fornecidas são ricas ou pobres, quentes ou frias, duras e mensuráveis – como é o caso da Matemática Avançada – ou impossíveis de avaliar – como a sensibilidade. O que conta é que a educação é considerada como resultado de um processo institucional gerido pelo educador. Enquanto as relações continuarem a ser as de um fornecedor e consumidor, a pesquisa educacional permanecerá um processo circular. Reunirá argumentos científicos em favor de mais embalagens educacionais para que sua entrega ao consumidor seja mais eficazmente mortal; exatamente como certo ramo das ciências sociais consegue provar a necessidade de maior tratamento militar.
A pesquisa operacional procura, agora, otimizar a eficácia de uma estrutura herdade – uma estrutura que nunca foi questionada. Tem a estrutura sintática de um funil por onde passam as embalagens do ensino. A alternativa sintática é uma rede ou teia educacional que permite e reunião autônoma de recursos sob o controle pessoal de cada aprendiz. Esta estrutura alternativa de uma instituição educativa se encontra, agora, no ponto cego conceitual de nossa pesquisa operacional. Se a investigação se concentrasse nele, teríamos uma verdadeira revolução científica.
O ponto cego da pesquisa operacional reflete o preconceito cultural de uma sociedade em que o crescimento tecnológico foi confundido com controle tecnocrático. Para o tecnocrata o valor do meio-ambiente aumenta à medida que pode programar mais contatos entre cada pessoa e seu meio. Neste mundo, as escolhas convenientes ao observador e planejador condizem com as escolhas possíveis do observado, o assim chamado beneficiário. A liberdade fica reduzida a uma escolha entre mercadorias empacotadas.
A emergente contracultura reafirma os valores de conteúdo semântico sobre a eficácia da sintaxe que se torna cada vez maior e mais rígida. Valoriza a riqueza de conotações mais do que o poder da sintaxe de produzir riquezas. Valoriza mais os resultados imprevisíveis de encontros pessoais livremente escolhidos do que a qualidade dos certificados de instrução profissional. Esta reorientação para as surpresas pessoais em vez de valores institucionalmente arquitetados romperá a ordem estabelecida até que dissociemos a crescente disponibilidade de instrumentos tecnológicos que facilitam os encontros do progressivo controle, feitos pelos tecnocratas, sobre o que acontece quando as pessoas se encontram.
Nossas atuais instituições educacionais estão a serviço dos objetivos do professor. As estruturas relacionais que precisamos são as que capacitam todo homem a definir-se a si mesmo pela aprendizagem e pela contribuição à aprendizagem dos outros.

Teias de aprendizagem

Na escola, alunos matriculados se submetem a professores diplomados para obter também eles diplomas; ambos são frustrados e ambos responsabilizam a insuficiência de recursos – dinheiro, tempo, instalações – por sua frustração mútua.
Essa crítica leva muitas pessoas a perguntarem se existe outra possibilidade de aprendizagem. Paradoxalmente as mesmas pessoas quando pressionadas a especificar como adquiriram o que sabem e valorizam, prontamente admitem que o aprenderam, as mais das vezes, fora e não dentro da escola. Seu conhecimento dos fatos, sua compreensão da vida e do trabalho lhes adveio pela amizade ou pelo amor, enquanto assistiam televisão ou liam, pelo exemplo de colegas ou por uma dissensão resultante de um encontro na rua. Ou talvez tenham aprendido o que sabem num noviciado ritual que precedeu à sua admissão num grupo de bairro; pela admissão em um hospital, no parque gráfico de um jornal, na oficina de um bombeiro ou no escritório de uma companhia de seguros. A alternativa para nossa dependência das escolas não é o uso dos recursos públicos para algum novo propósito que “faça” as pessoas aprenderem; é antes a criação de um novo estilo de relacionamento educacional entre o homem e o seu meio-ambiente. Concomitantemente com a promoção deste estilo, devem mudar as atitudes para com o crescimento, os instrumentos da aprendizagem, a qualidade e estrutura da vida cotidiana.

Uma objeção: quem pode servir-se de pontes que não conduzem a lugar algum?

O sistema escolar tem sempre a mesma estrutura em qualquer parte e o seu currículo secreto invariavelmente bitola o consumidor que valoriza as mercadorias institucionais mais do que a contribuição não profissional de um vizinho.
Em qualquer lugar do mundo o secreto currículo da escolarização inicia o cidadão no mito de que as burocracias guiadas pelo conhecimento científico são eficientes e benévolas. Em qualquer parte do mundo este mesmo currículo instila no aluno o mito de que maior produção vai trazer vida melhor. E em qualquer parte do mundo desenvolve o hábito de um consumo contraproducente de serviços e de produção alienante, com a tolerância da dependência institucional e o reconhecimento das hierarquias institucionais.

Características gerais de novas instituições educativas e formais

Um bom sistema educacional deve ter três propósitos: dar a todos que queiram aprender acesso aos recursos disponíveis, em qualquer época de sua vida; capacitar a todos que queiram partilhar o que sabem a encontrar os que queiram aprender algo deles e, finalmente, dar oportunidade a todos os que queiram tornar público um assunto a que tenham possibilidade de que seu desafio seja conhecido. Tal sistema requer a aplicação de garantias constitucionais à educação. Os aprendizes não deveriam ser forçados a um currículo obrigatório ou à discriminação baseada em terem um diploma ou certificado. Nem deveria o povo ser forçado a manter, através de tributação regressiva, um imenso aparato profissional de educadores e edifícios que, de fato, restringem as chances de aprendizagem do povo aos serviços que aquela profissão deseja colocar no mercado. É preciso usar a tecnologia moderna para tornar a liberdade de expressão, de reunião e imprensa verdadeiramente universal e, portanto, plenamente educativa.
As escolas estão baseadas na suposição de que há um segredo para tudo nesta vida; de que a qualidade da vida depende do conhecimento desse segredo; de que os segredos só podem ser conhecidos em passos sucessivos e ordenados; de que apenas os professores sabem revelar corretamente esses segredos. Um indivíduo de mentalidade escolarizada concebe o mundo como uma pirâmide, composta de pacotes classificados; a eles só tem acesso os que possuem os rótulos adequados. As novas instituições educacionais quebrarão esta pirâmide. Seu objetivo deve ser facilitar o acesso ao aprendiz: se não puder entrar pela porta, permitir-lhe que, pela janela, olhe para dentro da sala de controle ou do parlamento. Ainda mais, essas novas instituições devem ser canais aos quais o aprendiz tenha acesso sem credenciais ou linhagem – logradouros públicos em que colegas e pessoas mais idosas, fora de um horizonte imediato, tornem-se disponíveis.
Acredito que apenas quatro – possivelmente três – “canais” diferentes ou intercâmbios de aprendizagem poderia conter todos os recursos necessários para uma real aprendizagem. A criança se desenvolve num mundo de coisas, rodeada por pessoas que lhe servem de modelo das habilidades e valores. Encontra colegas que a desafiam a interrogar, competir, cooperar e compreender; e, se a criança tiver sorte, estará exposta a confrontações e críticas feitas por um adulto experiente e que realmente se interessa por sua formação. Coisas, modelos, colegas e adultos são quatro recursos; cada um deles requer um diferente tipo de tratamento para assegurar que todos tenham o maior acesso possível a eles.

O que é preciso são novas redes, imediatamente disponíveis ao público em geral e elaboradas de forma a darem igual oportunidade para a aprendizagem e o ensino.

Quatro redes

O planejamento de novas instituições educacionais não deve começar com as metas administrativas de um príncipe ou presidente, nem com as metas de ensino de um educador profissional e nem com as metas de aprendizagem de alguma classe hipotética de pessoas. Não deve começar com a pergunta: “O que deve alguém aprender?”, mas com a pergunta: “Com que espécie de pessoas e coisas gostariam os aprendizes de entrar em contato para aprender?”

TRACEJADO

Quatro diferentes abordagens que permitam ao estudante ter acesso a todo e qualquer recurso educacional que poderá ajudá-lo a definir e obter suas próprias metas:

Serviço de consultas a objetos educacionais – que facilitem o acesso a coisas ou processos que concorrem para a aprendizagem formal. Algumas coisas podem ser totalmente reservadas para este fim, armazenadas em bibliotecas, agências de aluguéis, laboratórios e locais de exposição tais como museus e teatros; outras podem estar em uso diário nas fábricas, aeroportos ou fazendas, mas devem estar à disposição dos estudantes, seja durante o trabalho ou nas horas vagas.
Intercâmbio de habilidades – que permite as pessoas relacionarem suas aptidões, dar as condições mediante as quais estão dispostas a servir de modelo para outras que desejem aprender essas aptidões e o endereço em que podem ser encontradas.
Encontro de colegas – uma rede de comunicações que possibilite as pessoas descreverem a atividade de aprendizagem em que desejam engajar-se, na esperança de encontrar um parceiro para essa pesquisa.
Serviço de consultas a educadores em geral – que podem ser relacionados num diretório dando o endereço e a autodescrição de profissionais, não profissionais, free-lancers, juntamente com as condições para ter acesso a seus serviços. Tais educadores, como veremos, podem ser escolhidos por votação ou consultando seus clientes anteriores.

Serviços de consulta a objetos educacionais

As coisas são recursos básicos para a aprendizagem. A qualidade do meio-ambiente e o relacionamento de uma pessoa com ele irá determinar o quanto ela aprenderá incidentalmente. A aprendizagem formal requer acesso especial a coisas comuns, por um lado, e acesso fácil e seguro a coisas especiais, feitas para fins educativos, por outro. Exemplo do primeiro caso é a licença especial de operar ou desmontar uma máquina. Exemplo do segundo caso é a licença geral de usar um ábaco, um computador, um livro, um jardim botânico ou uma máquina retirada de uso e colocada à inteira disposição dos estudantes.

O controle escolar sobre o material educativo aumenta consideravelmente o custo deste material barato. Uma vez que seu uso é restrito a horas programadas, há profissionais pagos para supervisionar sua aquisição, conservação e uso.

MULAS MECÂNICAS

Pode haver duas modalidades de financiar uma rede de “objetos de aprendizagem”. Uma comunidade poderia determinar um orçamento máximo para este fim e fazer com que todas as partes da rede estivessem abertas a todos os visitantes em horário razoável. Ou a comunidade poderia dar aos cidadãos limitado número de bilhetes, de acordo com sua faixa de idade, para que tivessem acesso especial a certos materiais mais caros e mais raros, deixando o material mais comum acessível a todos.
Um conjunto ainda mais valioso de objetos e dados científicos pode ser mantido longe do acesso geral – e mesmo de cientistas qualificados – sob a alegação de pertencer à segurança nacional. Até pouco tempo atrás a ciência era um fórum que funcionava como um sonho de anarquista. Toda pessoa capaz de fazer pesquisa tinha mais ou menos igual oportunidade de acesso a seus instrumentos e a uma audiência de grupo de colegas. Hoje, a burocratização e a organização colocaram a maior parte da ciência para além do alcance público. O que costumava ser uma rede internacional de informação científica fracionou-se numa arena de equipes rivais. Os membros e os artefatos da comunidade científica foram encerrados em programas nacionais e corporativos, orientados para realizações práticas e para o empobrecimento radical dos homens que sustentam essas nações e corporações.
Num mundo controlado e possuído por nações e corporações, sempre haverá apenas um acesso limitado aos objetos educacionais. Mas, se o acesso a esses objetos – que podem ser partilhados com fins educativos – aumentar, ele nos pode esclarecer suficientemente para rompermos essas últimas barreiras políticas.

Intercâmbio de Habilidades

Diferentemente de uma guitarra, um professor de guitarra não pode estar exposto num museu, nem ser propriedade pública e nem ser alugado. Professores e habilidades pertencem a uma categoria de recursos diferente daquela a que pertencem os objetos necessários para aprender uma habilidade. Isto não significa que sejam sempre indispensáveis. Posso tomar emprestado não só uma guitarra, mas também lições gravadas em disco ou fitas magnéticas, guias práticos ilustrados, e com isso posso aprender perfeitamente a tocar guitarra. Isto pode até ter suas vantagens: se as gravações disponíveis são melhores que os professores disponíveis, se o único tempo que tenho para aprender é à alta noite, se as melodias que desejo tocar são desconhecidas em meu país, se for tímido e preferir “arranhar” sozinho…
Os professores que ensinam certas habilidades devem estar registrados e ser localizados por vias diferentes das dos objetos. Um objeto está disponível – ou deveria estar – a pedido do usuário, ao passo que uma pessoa torna-se formalmente um recurso para aprender uma habilidade unicamente quanto consentir em sê-lo, e pode ainda delimitar um tempo, lugar e método.
Esses professores devem ser distinguidos dos companheiros dos quais se pode aprender alguma coisa. Companheiros que desejam fazer uma pesquisa em comum devem partir de interesses e habilidades comuns; juntam-se para desenvolver ou exercitar uma habilidade que compartilhem: basquete, danças, construção de um lugar de acampamentos, discussão das próximas eleições. O primeiro ato de uma transmissão de habilidades, no entanto, requer o encontro de alguém que possua a habilidade e de alguém que não possua, mas deseja adquiri-la.
Um “modelo” é uma pessoa que tenha uma habilidade e está disposta a demonstrá-la na prática. Uma demonstração dessa natureza é muitas vezes recurso necessário para um aprendiz em potencial.

Auto-interesses convergentes conspiram agora para impedir que uma pessoa partilhe com outra suas habilidades. Quem possui uma habilidade tira proveito de sua escassez e não de sua reprodução.
O público em geral foi doutrinado para acreditar que as habilidades são valiosas e de confiança unicamente se forem resultado de escolarização formal. O mercado de trabalho depende de tornar as habilidades escassas e conservá-las assim, seja proscrevendo seu uso ou transmissão não-autorizados, seja fabricando coisas que só podem ser manejadas ou consertadas por aqueles que tem acesso a ferramentas e informações especiais, sempre escassas.

Uma forma bem mais radical seroa criar um “banco” para intercâmbio de habilidades. Cada cidadão receberia um crédito básico para aquisição de habilidades fundamentais. Além desse mínimo, ulteriores créditos iriam para aqueles que os ganhassem ensinando, seja servindo de modelos em um centro organizado, seja ensinando em casa ou num campo de esportes. Somente os que tivessem ensinado outros por um período de tempo teriam direito a reclamar o tempo equivalente de professores mais adiantados. Surgiria uma elite totalmente nova, uma elite que obteria sua educação partilhando-a.

Encontro de parceiros

No pior dos casos, as escolas reúnem os condiscípulos na mesma sala e os submetem ao mesmo tratamento sequencial nas matemáticas, na educação moral e cívica e na alfabetização. No melhor dos casos, permitem ao estudante escolher, dentro de um limitado número de cursos, um deles. Em ambos os casos, formam um grupo de parceiros ao redor das metas de professores. Um sistema educacional proveitoso deixaria cada um definir a atividade para a qual procuraria um parceiro.

Um bom enxadrista fica sempre feliz ao encontrar um bom adversário, da mesma forma um noviço ao encontrar outro. Os clubes servem a esta finalidade. As pessoas que desejam discutir determinados livros ou artigos, provavelmente pagariam para encontrar parceiros. As pessoas que desejam jogar, fazer excursões, construir tanques de peixes ou motorizar bicicletas andariam grandes distâncias para encontrar parceiros. Sua recompensa seria encontrar esses parceiros. As boas escolas tentam descobrir os interesses comuns de seus alunos matriculados no mesmo curso. O contrário de escola seria uma instituição que aumentasse as chances de as pessoas que, em dado momento, compartilharam o mesmo interesse específico, pudessem encontrar-se – não importa o que mais tenham em comum.

O ensino de habilidades é uma repetição contínua de exercícios e é tremendamente monótona para os alunos que mais o necessitam. O intercâmbio de habilidades precisa de dinheiro, crédito ou outros incentivos palpáveis para funcionar, mesmo que para isso tenha que produzir uma moeda própria. O sistema de encontro de parceiros não precisa desses incentivos, precisa apenas de uma rede de comunicação. Em muitos casos, fitas, sistemas eletrônicos de informação, instrução programada, reprodução de formas e sons reduzem a necessidade de recorrer a professores humanos; aumentam a eficiência dos professores e o número de habilidades que alguém pode aprender durante a vida. Paralelamente, surge maior necessidade de encontrar pessoas interessadas em deleitar-se na habilidade recentemente adquirida.

Uma rede de encontros de parceiros, publicamente mantida, seria a única maneira de garantir o direito à livre reunião e de treinar o povo no exercício dessa atividade cívica mais fundamental.

Desescolarizar significa abolir o poder de uma pessoa de obrigar outra a frequentar uma reunião. Também significa o direito de qualquer pessoa, de qualquer idade ou sexo, convocar uma reunião.

Numa sociedade desescolarizada, os profissionais já não poderão exigir a confiança de seus clientes, baseados no seu diploma, ou confirmar sua reputação remetendo simplesmente seus clientes a outros profissionais que certifiquem a escolarização dos primeiros. Em vez de confiar em profissionais, deveria ser possível, a qualquer tempo e para qualquer cliente potencial, consultar outros clientes de determinado profissional para ver se estavam satisfeitos com ele. Isto poderia ser feito através de outra rede de parceiros, facilmente estabelecida por um computador ou por outros meios. Essas redes poderiam ser consideradas serviços públicos, nos quais os estudantes pudesses escolher seus professores e os pacientes seus doutores.

O que caracteriza o verdadeiro relacionamento mestre-aluno é seu caráter não mercantil. Aristóteles se refere a ele como “um tipo moral de amizade que não possui termos fixos: dá um presente, ou faz qualquer coisa como se o fizesse a um amigo”. Tomás de Aquino fala dessa espécie de ensino como sendo, inevitavelmente, um ato de amor e caridade. Esta forma de ensino é sempre um luxo para o professor e uma forma de lazer (em grego schole) para ele e seu aluno: uma proveitosa atividade para ambos, não tendo interesses ulteriores.

A revolução educacional deve ser orientada por certos objetivos:

Liberar o acesso às coisas, abolindo o controle que pessoas e instituições agora exercem sobre seus valores educacionais.
Liberar a partilha de habilidades, garantindo a liberdade de ensiná-las ou exercê-las quando solicitado.
Liberar os recursos críticos e criativos das pessoas, devolvendo aos indivíduos a capacidade de convocar e fazer reuniões – capacidade esta sempre mais monopolizada por instituições que dizem falar em nome do povo.
Liberar o indivíduo da obrigação de modelar suas expectativas pelos serviços oferecidos por uma profissão estabelecida qualquer – oferecendo-lhe a oportunidade de aproveitar a experiência de seus parceiros e confiar-se ao professor, orientador, conselheiro ou curador de sua escolha. A desescolarização da sociedade inevitavelmente tornará imprecisa a distinção entre economia, educação e política sobre a qual repousa a estabilidade da atual ordem do mundo e a estabilidade das nações.

Renascimento do Homem Epimeteu

Não produzir o que é possível poria em perigo a lei das “expectativas emegentes”, como um eufemismo para o crescente abismo de frustrações, que é o motor de uma sociedade construída sobre a co-produção de serviços e aumento de demandas.
O estado de ânimo do moderno habitante das cidades aparece na tradição mítica apenas sob a imagem do Inferno. Sísifo, que havia por certo tempo acorrentado Thanatos (morte), tinha que rolar pesada pedra até o cume do Inferno, e a pedra sempre escapava quando estava prestes a atingir o alto. Tântalo, que fora convidado pelos deuses a partilhar de sua comida e, na ocasião, roubara seu segredo de preparar a ambrósia – que curava tudo e garantia a imortalidade – foi condenado a sofrer eterna fome e sede, estando mo meio de um rio cujas águas fugiam quando as procurava tocar e sob árvores com frutas cujos galhos se afastavam quando estendia as mãos para elas. Um mundo de crescentes demandas não é apenas um mal – só pode ser classificado como um inferno.

Em 1970, Ivan Illich já afirmava: “Os limites dos recursos da Terra tornaram-se evidentes. Não há progresso científico ou tecnológico que consiga prover todos os homens do mundo com os bens e serviços de que usufruem, atualmente, as pessoas pobres dos países ricos. Deveríamos, por exemplo, extrair cem vezes mais ferro, estanho, cobre e chumbo para atingir este objetivo.”

As maiores instituições disputam mais violentamente os recursos não relacionados em qualquer lista: o ar, o oceano, o silêncio, a luz solar e a saúde. Só levam ao conhecimento público a escassez desses recursos quando estes já se encontram quase que totalmente degenerados. Em toda parte a natureza é envenenada, a sociedade inumanizada, a vida interior invadida e a vocação pessoal asfixiada.

A educação que nos faz necessitar do produto está incluída no preço do produto. A escola é a agência publicitária que nos faz crer que precisamos da sociedade tal qual ela é.

Quando os valores foram institucionalizados em processos planejados e arquitetados, os membros da moderna sociedade acreditam que a vida boa consiste em ter instituições que definem os valores de que eles e sua sociedade crêem necessitar. O valor institucional pode ser definido como o nível de produção (output) de uma instituição. O valor correspondente do homem é medido por sua capacidade de consumir e esgotar esta produção institucional, e, assim, criar nova – sempre maior – demanda. O valor do homem institucionalizado depende de sua capacidade de incinerador. Diríamos numa imagem: tornou-se o ídolo de suas manufaturas. O homem define-se agora como a fornalha que queima os valores produzidos por seus instrumentos. E aqui não há limites para sua capacidade. Seu ato é o de Prometeu levado a extremos.
A exaustão e a poluição dos recursos da terra é, acima de tudo, o resultado de uma corrupção na auto-imagem do homem e de uma regressão em sua consciência. Alguns gostariam de falar de uma mutação na consciência coletiva que leva à concepção do homem como um organismo dependente de instituições e não da natureza e dos indivíduos. Esta institucionalização dos valores substanciais, esta crença de que um processo de tratamento planejado traz, em última análise, resultados queridos pelo recipiente, este “ethos” consumidor está no âmago da falácia prometeica.
Os esforços para encontrar novo equilíbrio no meio-ambiente global dependem da desistitucionalização dos valores.

Precisamos de um nome para os que amam mais as pessoas do que os produtos. Precisamos encontrar um nome para os que amam a Terra onde cada um possa encontrar o outro. Precisamos encontrar um nome para os que colaboram com seu irmão. Sugiro que estes irmãos e irmãs, cheios de esperança, recebam o nome de homens epimeteus.

 

 

 

 

http://www.youtube.com/v/a2xMLedAdjM?hl=pt_BR&version=3

8 Comentários

  • Rafael Reinehr

    Adauto, você leu Sociedade Desescolarizada? Illich elenca uma série de propostas CONCRETAS para mudar o panorama educacional vigente na época: as Teias de Aprendizagem, o sistema de Educréditos…

  • Adauto

    Infelizmente, essas reflexões só aparecem por que há gente com tempo para fazê-las justamente por haver um monte de gente que “vestiu a camisa” de determinadas causas, apesar de saber criticá-las. Essas pessoas podem ter propostas mais concretas para incutir valores críticos nas crianças que é onde tudo começa. Infelizmente, refletir sem propor CONCRETAMENTE, não vai resolver problema nenhum… Felicidades!!!

  • Lenin Belarmino

    Sou professor e gostaria de obter mais informações sobre a desescolarização. Se possível em questão de legitimidade, sou a favor e faço campannha. Chega de fracassos escolares

  • Lenin Belarmino

    Sou professor e confesso a, descolarização seria um marco para nossa sociedade. Temos que viver em uma sociedade livre com ideias novas e libertadoras nossos bancos escolares, estão levando diversos jovens ao fracasso escolar. Temos que promover debates sobre a descolarizaçao e encaminhar novas ideias para o fim de uma escola burocrata e “burrocrata”

  • taciane

    mto interessante pois a desescolarização ja vem tomando grandes proporções atualmente e devemos estar sempre preparados para novas ideias.

    • Rafael Reinehr

      Educando de forma não institucionalizada
      Marcus, fico feliz que este resumo possa lhe ter sido útil. Quando leio um livro interessante, sempre faço meus apontamentos com dois objetivos:

      1 – Facilitar minha própria pesquisa sobre o assunto posteriormente

      2 – Disponibilizar publicamente e, quem sabe, encontrar outras pessoas interessadas no assunto

      Que bom que a “Sociedade sem Escolas” de Illich alcançou a você.

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