TAZ – Zona Autônoma Temporária – Hakim Bey – Esperando pela Revolução (parte II de VII)
Na segunda parte do livro, Hakim Bey questiona-se:
“O que foi feito do sonho anarquista, do fim do Estado, da comuna, da zona autônoma com duração, da sociedade livre, da comuna livre? Devemos abandonar esta esperança em troca de um acte gratuit existencialista? A idéia não é mudar a consciência, mas mudar o mundo”.
E, questiono-me eu: não é justamente esse o objetivo da propaganda, do Estado e das demais instituições (Escola, Igreja, Exército, Polícia, Legislativo, Judiciário…) – o de manter o status quo inalterado, para que as forças de sempre comandem o tabuleiro? O que vem sendo feito, década após década, não é uma mudança na consciência de cada indivíduo, que vai se adaptando às novas dificuldades que lhe são impostas sem questionar o sistema que as impõe? Grades são colocadas nas janelas e em volta das casas. Uma fechadura mais segura, sistemas de vigilância particulares contratados já que a violência aumenta e a segurança declina. Professores particulares são requisitados, já que a escola não cumpre seu papel. Necessita-se comprar um automóvel, já que o transporte público é deficitário e a distância até o local de trabalho só faz aumentar. Este, por sinal, é cada vez mais volumoso e o número de horas necessárias para manter uma subsistência digna só faz aumentar. Abre-se mão das horas de lazer e também dos dias de férias. Come-se cada vez pior. Alimentos mais ricos em gorduras, açúcares, sódio, corantes, conservantes e agrotóxicos. E mesmo assim, as forças que poderiam mudar isso – aquelas assim chamadas de instituídas – lutam para manter a situação do mesmo jeito, tratando de convencer a cada um de que o melhor para si é permanecer nesta rotina massacrante até o fim dos dias, e dar o mesmo remédio para seus filhos, e netos, e para as gerações que estão por vir. Olho ao redor e parece que esse objetivo foi alcançado com louvor. Mas não pretendo ficar calado ou parado. Ainda tenho muito a dizer e fazer. Sigamos com Bey:
“Não queremos dizer que a TAZ é um fim em si mesmo, substituindo todas as outras formas de organização, táticas e objetivos. Nós a recomendamos porque ela pode fornecer a qualidade do enlevamento associado ao levante sem necessariamente levar à violência e ao martírio. A TAZ é uma espécie de rebelião que não confronta o Estado diretamente, uma operação de guerrilha que libera uma área (de terra, de tempo, de imaginação) e se dissolve para se re-fazer em outro lugar e outro momento, antes que o Estado possa esmagá-la.”
Mais especificamente, sobre a estratégia da TAZ, Bey afirma:
“Uma postura realista exige não apenas que desistamos de esperar pela “Revolução”, mas também que desistamos de desejá-la. “Levantes”, sim – sempre que possível, até mesmo com o risco de violência. Os espasmos do Estado Simulado serão “espetaculares”, mas na maioria dos casos a tática mais radical será a recusa de participar da violência espetacular, retirar-se da área de simulação, desaparecer.
A TAZ é um acampamento de guerrilheiros ontologistas: ataque e fuja. Continue movendo sua tribo inteira, mesmo que ela seja apenas dados na web. A TAZ deve ser capaz de se defender; mas, se possível, tanto o “ataque” quanto a “defesa” devem evadir a violência do Estado, que já não é uma violência com sentido. O ataque é feito às estruturas de controle, essencialmente às idéias. As táticas de defesa são a “invisibilidade”, que é uma arte marcial, e a “invulnerabilidade”, uma arte “oculta” dentro das artes marciais. A “máquina de guerra nômade” conquista sem ser notada e se move antes do mapa ser retificado. Quanto ao futuro, apenas o autônomo pode planejar a autonomia, organizar-se para ela, criá-la. É uma ação conduzida por esforço próprio. O primeiro passo se assemelha a um satori – a constatação de que a TAZ começa com um simples ato de percepção.”
Isso me traz de volta a um esboço de livro que iniciei uma década atrás, provisoriamente entitulada de “A Reforma da Percepção”, que visa, em sentido último, combater os graves “desajustes de grau” que vêm acomentendo grande parte da sociedade moderna. Era uma época em que ingenuamente ainda imaginava que um livro – assim como um concerto de rock – poderia mudar o mundo. Como no trecho acima, acredito que, muitas vezes, um livro, um concerto de rock, uma rave, uma comunidade alternativa, uma ação social podem ser instâncias de TAZ – para utilizar a nomenclatura criada por Hakim Bey na década de 80 – mas é necessário trabalhar para que estes “satoris” se multipliquem e se tornem cada vez mais intensos nas diversas camadas da população.
Quando Bey se refere ao “desaparecimento”, ele não se refere à fuga total e por completo. Ele refere-se à migração para um outro local e tempo em que o Estado não seja capaz de, por um dado lapso temporal, interferir. São as chamadas “fendas na estrutura”. Locais e momentos desguarnecidos.
É justamente aí que entra a Coolméia, oferecendo ajuda a quem necessita nas rachaduras que existem do telhado ao alicerce do Estado. Nas áreas cheias de necessidades que o Estado deixa, por incompetência ou inabilidade, de atuar. É aí que podemos crescer e nos tornar livres.
Em 1920, Renzo Novatore escreveu um manifesto impressionante direcionado aos que ensejam ser livres de espírito:
“História, materialismo, monismo, positivismo e todos os “ismos” desse mundo são ferramentas velhas e enferrujadas que já não preciso ou com as quais eu não me preocupo mais. Meu princípio é a vida, meu fim é a morte. Gostaria de viver minha vida intensamente para poder abraçar minha morte tragicamente.
Você está esperando pela revolução? A minha começou há muito tempo atrás! Quando você estará preparado? (Meu Deus, que espera sem fim!) Não me importo em acompanhá-lo por um tempo. Mas quando você parar, eu prosseguirei emmeu caminho insano e triunfal em direção à grande e sublime conquista do nada!
Qualquer sociedade que você construir terá seus limites. E para além dos limites de qualquer sociedade os desregrados e heróicos vagabundos vagarão, com seus pensamentos selvagens e virgens – aqueles que não podem viver sem constantemente planejar novas e terríveis rebeliões!
Quero estar entre eles!
E atrás de mim, como à minha frente, estarão aqueles dizendo a seus companheiros: “Voltem-se a si mesmos em vez de aos seus deuses ou ídolos. Descubra o que existe em você; traga-o à luz; mostrem-se!”
Porque toda pessoa que, procurando por sua própria interioridade, descobre o que estava misteriosamente escondido dentro de si, é uma sombra eclipsando qualquer forma de sociedade que possa existir sob o sol!
Todas as sociedades tremem quando a desdenhosa aristocracia dos vagabundos, dos inacessíveis, dos únicos, dos que governam sobre o ideal, e dos conquistadores do nada, avança resolutamente.
Iconoclastas, avante!
“O céu em pressentimento já torna-se escuro e silencioso!”.
Toda a série TAZ – Zona Autônoma Temporária:
TAZ – Zona Autônoma Temporária – Hakim Bey – Utopias Piratas (parte I de VII)
TAZ – Zona Autônoma Temporária – Hakim Bey – Esperando pela Revolução (parte II de VII)
TAZ – Zona Autônoma Temporária – Hakim Bey – Psicotopologia da Vida Cotidiana (parte III de VII)
TAZ – Zona Autônoma Temporária – Hakim Bey – A Internet e a Web (parte IV de VII)
TAZ – Zona Autônoma Temporária – Hakim Bey – Fomos para Croatã (parte V de VII)
TAZ – Zona Autônoma Temporária – Hakim Bey – A Ânsia de Poder como Desaparecimento (parte VI de VII)
TAZ – Zona Autônoma Temporária – Hakim Bey – Caminhos de Rato na Babilônia da Informação (final)
3 Comentários
Marcos Paulo Ramos
Amigo Reinehr, tudo bem?
Gostaria de saber a quantas anda os projetos da coolméia. Tentei me registrar, mas não deu certo, parece que o sistema está fora do ar.
Rafael Reinehr
Voltar-se a si mesmo…
… significa, muito mais do que uma análise stirneriana e egoísta, permitir-se, dentro da liberdade adquirida, ser plenamente um indivíduo social. Ninguém vive sozinho. Apenas, precisamos de momentos no tempo e no espaço para exercer esta liberdade plena, que pode ser, como na Coolmeia, a liberdade de exercitar o altruismo sem barreiras ou imposições de mercado, ou estatais ou de forças egóicas ou supraegóicas que nos oprimem.
Invisibilidade e indiferença estão bem distantes. A invisibilidade se presta para realizar os atos necessários nas rachaduras do sistema. A indiferença não tem função, e não é desejada. O texto tem uma sutileza sublime, difícil de apreender em uma primeira leitura. Mas o esforço para compreendê-lo sob um prisma mais amplo (caçando as entrelinhas, o subtexto) vale a pena.
Keyne
Dúvida
Eu entendi o texto, mas estou com uma dúvida sobre a parte que fala do interior.
Ser indiferente a tudo, não crer nem rejeitar, retira a possibilidade de sustentar sociedades, na qual se sustenta um ideal, pois se é indiferente, seu centro é tua presença única e inexplicável, todo o resto, o rio da experiência.
O movimento então se caracteriza apenas por cada vez mas ser indiferente, ou não, ele sutenta um ideal?
Pois como o mesmo texto dá aparecer, isso é liberdade, você vive, faz coisas, mas nunca arma uma barraca e sustenta o ideal de que ela será o novo modelo de organização do futuro.
Não estaria a própria teoria servindo de anti-tese a ela mesma?