O Futuro da Educação em uma Sociedade que se Desescolariza
Para que o sonho de Ivan Illich
não se transforme no pesadelo de Ivan Illich, temos que atentar para um aspecto da educação horizontal e do autodidatismo:
Quando escuto meus pares proclamarem que o futuro das da educação encontra-se nas redes de educação informal, no auto e alterdidatismo e na horizontalidade do aprendizado, tenho uma sensação de estranhamento pois, ao que parece esse futuro já chegou.
O grau de interconectividade dos nossos pequenos e jovens é assombroso, entretanto, a liberdade é a tamanha a a oferta de serviços não educativos da mesma forma que, até o momento, o que esta capacidade de conexão está trazendo é uma aparente redução da inteligência individual. Ouvimos falar das maravilhas da tecnologia e toda potência e possibilidade inerentes à Web 2.0, 3.0 e 4.0 – mas, do jeito que andamos, a Humanidade 4.0 não será aquela que gostaríamos de vislumbrar.
Um amigo, professor de literatura de um cursinho pré-vestibular há mais de 20 anos, comentou que, a cada ano, os alunos parecem mais burros, cada vez menos preparados. Analisando por outro ponto de vista, talvez o que realmente esteja acontecendo é que eles estejam cada vez menos INTERESSADOS no que ele, professor de Literatura, tem a oferecer.
Talvez eles queiram seguir por outros caminhos, de acordo com seus próprios interesses.
A liberdade plena (ou quase) que essa nova situação educacional que se configura apresenta nos traz também um questionamento: até que ponto será que a possibilidade de um mundo no qual a primazia da autodidatismo estará vigente é algo benéfico? Existe alguma ferramenta para medir o futuro sem que façamos uma experiência social? Onde estas experiências já estão sendo feitas? Estão dando certo? Quais os resultados mesuráveis e o que aprendemos com isso?
Como as pessoas estão , de forma crescente, aprendendo umas com as outras, as universidades começaram a perder o monopólio do aprendizado superior, que pode ser encontrado no outro, em iniciativas privadas e também em iniciativas sem fins lucrativos.
Estamos acompanhando crescer gradualmente o fenômeno da acreditação p2p, em que os próprios pares certificam as habilidades e competências de algo que foi aprendido. É um modelo novo, e pode-se dizer que está em fase “beta”, mas devemos ficar de olhos atentos com seus desdobramentos.
Uma questão interessante que vem com o aumento da capacidade de aprendizado é justamente o aumento da oferta de pessoas “letradas” ou “capazes” de desempenhar dadas funções. O crescente número dessas pessoas somado a dificuldades de monetização (limite da demanda), cria um desequilíbrio entre a inovação social de uma sociedade civil cada vez mais autônoma e o mercado que se beneficia dela. Isso significa que as próprias universidades estão co-produzindo uma força de trabalho precária, a altos custos. A isso podemos chamar de “crise de valor”
O lado negro da autonomia do aprendizado diz respeito justamente aquela porção da população que tem dificuldade em se conectar, ou que não tem habilidades cognitivas para a participação online (sem contar a porção de pessoas “desconectadas digitalmente”). Esse aspecto reforça a necessidade de garantirmos amplamente competências de rede em todas as camadas da população.
Ao mesmo tempo em que a internet cria muitas possibilidades para liberar a educação das limitações de tempo e espaço e pode aumentar o acesso ao aprendizado, também é verdade que a educação online tem suas próprias formas de socialização. A educação virtual, entretanto, ainda parece requerer a existência de locais físicos para contato humano face a face.
A criação cada vez maior de REAs (Recursos Educacionais Abertos), obras disseminadas sob Licença Creative Commons ou similares, Open Textbooks e afins possibilitará, cada vez mais, a apropriação de conhecimento por parte do autodidata e mesmo do aluno que estiver em uma escola hierárquica tradicional.
A educação, com o tempo, se torna construtiva: muito mais do que aprender à distância, as novas conquistas tecnológicas possibilitam a co-criação de valores. Elas oferecem a oportunidade de criar uma edicação que é diretamente produtora de valores sociais, ao invés de uma atividade separada da vida real. Os estudantes podem se tornar parceiros na produção de inovação social, interligados com comunidades profissionais e apaixonadas, trabalhando em projetos comuns para o avanço da humanidade.
A educação está se tornando combinatória: aprender de forma p2p não necessariamente substitui outras formas de aprendizado, mas cria várias possibilidades: se pode aprender sozinho, aprender de experts e aprender através do contato com outros. Estas formas não são excludentes, podem coexistir.
Aprender de forma informal, de forma auto ou alterdidata não significa que o futuro da educação está definido e que podemos prever o que virá pela frente, ou que as universidades e escolas como hoje as conhecemos irão desaparecer. Ao invés disso, significa que temos mais possibilidades para co-criar o futuro da educação. O futuro da educação é aberto!
4 Comentários
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Francisco Brito
Muito obrigado pelo presente que ganhei. Ainda seminarista comecei a lecionar para adultos. Lecionei no ginásio, no colegial, em uma Universidade e, cansei. Cansei de ver muitos não quererem aprender, mas terem o diploma. Cansei de ver o interesse financeiro se sobrepor ao ensino planejado e pedagogicamente seriado. Depois de tão cansado sou casado com uma professora de um instituto federal, que me mantem cansado e angustiado pelo que você, com muita competência, e de forma tão didática.RESPEITOSMENTE, obrigado.
gilda macedo
Achei demais!!! que legal saber que no Brasil existe este grupo de pesquisa. Sou estudante da Pós em Currículo.. da UNEB e um doa artigos que terei que explanar tem por tema: Por uma perspectiva crítica da Análise Cognitiva de Processos de Aprendizagem a partir das redes sociais do Prof Arnaud Lima Jr(mas numa perspectiva de escolarização) penso que a escola não é a única fonte formadora do conhecimento e que obrigatoriamente todos devem passar por ela para serem adestrados, selecionados e direcionados aos interesses políticos-econômicos.
Gostaria de fazer parte do grupo
Carolina
Inspiração
Oi amor! não pude acompanhar ao vivo tua apresentação pois foi o horario de passeio do Benjamin, mas vi teus slides e posso te confessar que me tocaram profundamente. Até então não estava entendendo muito sobre o que estavas falando em relação a uma sociedade descolarizada e ficava receosa quanto ao que isso significava. Agora – mesmo sem entender todos os slides – tua apresentação me despertou uma sensibilidade para uma outra forma de aprender e ensinar; despertou-me o desejo de aprender algo novo, despertou meu devir criança novamente. Parabéns pela criatividade em trasmitir conhecimento, meu querido professor!