30/05/2003 – #025 – Orçamento participativo
Nesta “capital do Fórum Social Mundial” ouve-se tanto (e fala-se tanto) em orçamento participativo…
Eu mesmo, conhecendo por jornais e tevê já fui analista da referida forma de distribuição dos recursos públicos. Falar com conhecimento parco é fácil. Também é fácil errar o palpite. Sempre achei o Orçamento Participativo a oitava maravilha do mundo. Uma idéia genial, daquelas que você sempre gostaria de ter tido (tipo a idéia da Grande Cooperativa Mundial – Simplicíssimo edição # 003 ). Ora bolas: quem melhor do que as próprias pessoas que vivem no ambiente a ser favorecido pelos benefícios para escolher o que priorizar e o que postergar (sempre lembrando que os recursos são limitados). Essa idéia de perfeição sumiu a alguns dias atrás. Trabalho no Hospital Nossa Senhora da Conceição, hospital vinculado ao Ministério da Saúde e portanto órgão federal. Agora, como PT liderando o executivo e “mandando” no Hospital, decidiram implantar, pela primeira vez o “Orçamento Participativo” no Hospital. Bem, lá fui eu me candidatar a uma das 13 vagas para delegado da Gerência de Residência Médica para votar o Orçamento Participativo. Essa parte foi fácil: o número de candidatos era igual ao número de vagas! Pulando algumas etapas, chegamos ao dia da grande assembléia! Um dia inteiro reunidos em um galpão para votar entre as mais de 80 propostas feitas pelas diferentes gerências do hospital, que representavam funcionários das gerências de administração, informática, apoio (UTI, bloco cirúrgico, obstetrícia), pacientes externos (emergência e ambulatório), SADTS (exames), internação, residência médica e G8 (outras gerências). A apresentação de praticamente todas propostas foi realmente comovente. Pudemos ver a precariedade de diversas áreas do Hospital, muitas vezes distante da área em que trabalhamos. Fiquei sabendo que chove dentro do almoxarifado e na lavanderia, pondo em risco material de valor estocados no primeiro e arriscando contaminação através de secreções que existem em roupas e lençóis que vão para a segunda. Pessoas trabalham em condições bem abaixo do mínimo aceitável, condições que dificilmente um “adicional por insalubridade” conseguiria compensar. Na UTI, sala de recuperação, salas de cirurgia, emergência, internação, a falta de equipamentos em quantidade necessária à demanda do hospital e o uso de equipamentos comprados há mais de 20 anos, quebrados e adaptados com esparadrapos e fitas adesivas mostra a precariedade das condições de atendimento, expondo em risco o profissional que atende o paciente mas, sobretudo, a própria vida do paciente, que não tem acesso às melhores condições de tratamento de sua enfermidade. O serviço de informática está limitado por centrais e servidores lotados que não comportam a expansão de terminais necessários à ampliação do atendimento que vem ocorrendo com o crescimento do Hopital, o que provoca lentidão no processamento de dados, agendamento de consultas, realização e resultados de exames e assim por diante. Não existem condições adequadas de estocagem da comida, tanto no refeitório para os funcionários quanto da comida oferecida aos pacientes, pois as câmaras refrigeradoras estão com vazamento, e a situação já foi inclusive verificada pela vigilância sanitária que exigiu mudanças por parte do Hospital. O serviço de residência médica que traz importante verba para o Hospital (já que a tabela do SUS é sobretaxada em 50% graças a presença de programas de residência médica no Hospital) sofre de terrível descaso, pois não são feitas assinaturas de jornais científicos nem aquisição de livros novos na medida necessária; não existe sala de aula equipada com materiais didáticos necessários ao pleno desenvolvimento das atividades técnico-científicas. Não existe, no andar de internação, equipamento mínimo necessário funcionando para atendimento seguro e correto de uma parada cardíaca por parte dos médicos residentes, causando a morte de pessoas e frustração por parte da equipe médica e de enfermagem. A situação no Hospital que faço residência, acreditava eu, era ruim. Agora sei que é calamitosa. O Orçamento Participativo me fez ver, de forma ampliada a real situação que vive meu Hospital: Necessários mais de 3 milhões de reais para resolução nas necessidades URGENTES, que não podem esperar de maneira alguma, sendo que somente 1,5 milhões são disponíveis para o ano de 2003. Essa situação certamente pode ser ampliada a um macronível, quer seja ele municipal, estadual ou federal. Vemos assim que as soluções que ora imaginava serem possíveis com a “revolução do Orçamento Participativo”, na verdade são apenas remédios paliativos, que pobremente aliviam os sintomas. Na conclusão, várias áreas acabaram ficando sem nada. Zero. Null. Gar nichs! Outras foram realmente privilegiadas. Democracia? Cartas marcadas? Conchavos e poiticagem? Eu estava lá e vi (e ouvi) com meus próprios olhos (e ouvidos)… A esperança ainda sobrevive, mas seu foco, para mim, desviou-se um pouco da idéia de Orçamento Participativo… Pelo menos a experiência que vivi não foi satisfatória… Quem sabe com outras regras e estruturação menos vinculada ao “tudo ou nada” e garantindo ao menos pequenas melhorias a áreas importantes mas com pouca participação seria uma solução… As mudanças virão…
Até lá, tente não ficar doente…
Rafael Luiz Reinehr