Araranguá
Escrever sempre foi um prazer para mim. Um prazer, uma terapia e, sobretudo, uma forma de me organizar. Através da escrita, punha minhas idéias no papel para ficarem mais claras e para que meus planos ficassem mais sólidos.
Nos últimos meses, desde aproximadamente dezembro, quando Carol e eu decidimos fazer uma empreitada que está mudando radicalmente nossas vidas, não tive tempo sequer uma vez de me concentrar na escrita. Isso é temerário, ainda mais em se tratando de um editor de site literário que, além disso, escreve artigos sobre medicina e saúde para vários jornais do país. O fato é que a correria dos últimos dias sugou tanto minha energia física e psíquica que estou precisando que alguém encontre e aperte um botão de pause no meu corpo, para que este e minha mente possam se reenergizar. Sozinho, parece que não consigo achar este descanso necessário.
Sempre fui alguém idealista, sonhador ao extremo. Idéias brilhantes, a maior parte delas não saíram do mundo do ideal ou, no máximo, do papel. Sempre acreditei que o dinheiro não era necessário para construção dos sonhos. Depois me rendi à realidade e descobri que, de uma forma ou de outra, o dinheiro no mundo atual ajuda a tornar reais nossos sonhos e de outras pessoas. Passei, em algum momento, a acreditar que o dinheiro poderia me libertar dele mesmo. Se tivesse o suficiente para não mais trabalhar, seria livre para finalmente só trabalhar por prazer. Me dei conta que esse dia tardaria a chegar. Julgava que 15 anos seria um prazo que poderia esperar.
De repente, este prazo passou a ser longo demais. Hoje com 30, me imaginei com 45 e visualizei tudo que teria deixado pra trás nestes 15 anos, em busca da renda que me garantisse um futuro seguro e independente financeiramente. A tempo, acredito, decidi camaleonicamente, mudar mais uma vez. Em concordância com minha companheira, deixamos de lado um consultório bem movimentado e um concurso público em busca de uma possibilidade diferente de vida, que nos aproximasse novamente de nossos ideais, que nos alçasse ao céu mais próximo de nossos primitivos sonhos.
A leitura dos pensadores, quer sejam eles filósofos, cientistas sociais, economistas, matemáticos, físicos, escritores ou mesmo alguns teólogos sempre me encantou, pelo tanto de humano que se depreende de seus estudos e descobertas. Esta leitura me faz falta. Faz minha terra secar, não me propicia produzir o tanto que gosto e que me faz sentir vivo. O carinho de minha esposa, a atenção e o zelo de meus familiares, o abraço e a lembrança de meus amigos são estimulantes mas, sozinhos, não conseguem me nutrir o suficiente. Não sou alguém que possa dizer que viva somente de amor. Preciso temperar minha vida com doses generosas de música, cinema, literatura, gastronomia, estudo e discussão das humanidades, ciência e espiritualidade.
Tenho bons amigos, alguns deles com interesses em comum e com os quais posso discutir alguns ou mesmo todos os temas supracitados. Fico apreensivo em imaginar que vou ficar longe destas pessoas queridas daqui a alguns anos. Fico temeroso em não encontrar, na nova morada, amigos com os quais Carol e eu possamos nos identificar plenamente e desenvolver as atividades das quais gostamos. Este temor é natural e, espero, mostre-se infundado em breve.
Em Araranguá, até agora, tudo vai correndo muito bem. Fizemos um investimento muito grande em nossa nova clínica, a MedSpa, que a deixou extremamente linda – melhor do que eu pudesse imaginar que teria em qualquer dia de minha vida. Nos dias de carnaval, fui pedreiro, carpinteiro, pintor, carregador, eletricista e o que mais se possa imaginar para deixar aquela clínica do jeito que queríamos. Posso dizer, com muito orgulho e em falsa humildade, que praticamente 50 por cento da reforma foi feita com as minhas próprias e hoje calejadas mãos.
O temor e a insegurança de que não possa dar certo necessariamente tiveram que ser escondidos para que pudéssemos seguir adiante com uma investida tão ambiciosa. Ainda bem que não faltou coragem. Preciso agora dar mais um passo: deixar de trabalhar na região de Porto Alegre. É de lá que vem hoje a maior parte da renda que sustenta nossa família (Carol e eu). É triste olhar para o lado e ver médicos muito mais velhos do que eu sujeitando-se (da mesma forma que eu), a trabalhos com remuneração pífia, sem perspectiva aparente de melhora. Poderia-se afirmar que são pessoas que aprenderam a contentar-se satisfatoriamente nas condições oferecidas, mas não é esse o caso: pergunte a qualquer um deles se é desejo deles continuar trabalhando indefinidamente naquele lugar e a resposta é invariável: claro que não! Mas, fazer o quê? É a opção que lhes resta. Cansei desta opção: atender de forma seriada, sem tempo para respirar ou relaxar. Falando assim, parece que sou submetido a trabalho quase escravo. Bem, não é totalmente verdade: existem pacientes que faltam à consulta, outras consultas são somente revisão ou mostra de exames, então sempre sobra um tempo para um cafezinho ou um bate-papo com os colegas das clínicas. Entretanto, não é, ainda, a qualidade de vida que busco. Quero dedicar-me à Medicina no máximo 6 horas por dia. No restante do tempo quero ler, escrever, escutar e criar música, ver e produzir cinema, fotografar, editar meus sites e criar novos, pensar em formas de ajudar os outros, em ajudar muitas pessoas, amar minha esposa e meus filhos que virão, preparar pratos diferentes e saboreá-los com calma, convidar amigos para rir, conversar e dividir felicidade, fazer exercícios, meditar, me religar à minha essência e ao Universo, à Natureza, descobrir o sentido de todas as coisas e ter uma boa noite de sono depois de um sexo gostoso.
Fazendo tudo isso, quero ser alguém normal, exatamente igual a todo mundo mas singular em minha percepção sobre o mundo e as cousas. Singularidade essas que me permitirá desfrutar de maneira única o sol, o mar e o infinito que se apreende num grão de areia.
Preciso me lembrar das datas de aniversário de pessoas queridas, preciso aprender a presentear com carinho as pessoas de que gosto e que me fazem bem. Preciso fazer listas de coisas a fazer. Tenho que agradecer todos os dias pela família que tenho e pelas pessoas que dia-a-dia me incitam a continuar pelo caminho que alterna trilhas retas e bifurcações tão característico do mundo natural. Preciso ler mais citações. Gosto delas.
Vou dormir. Voltarei.